Apito Dourado: o que diz o parecer - TVI

Apito Dourado: o que diz o parecer

Apito Dourado (Arquivo)

Gomes Canotilho entende que a lei a autorizar a punição da corrupção no desporto é «rotundamente» inconstitucional. Parlamento passou «um cheque em branco» ao Governo. Está nas mãos do juiz o fim do mega-processo do futebol

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A lei que autorizou o diploma sobre corrupção no desporto é um exemplo flagrante de inconstitucionalidade, assegura Gomes Canotilho, no parecer a que o PortugalDiário teve acesso.

«Se este não é o exemplo típico de uma autorização genérica rotundamente desconforme com a Constituição, torna-se difícil imaginar um qualquer outro exemplo de autorização genérica», escreve Gomes Canotilho, no parecer que elaborou a pedido do antigo presidente do Gondomar Sport Clube, José Luís Oliveira, um dos principais arguidos do processo «Apito Dourado» e o único que esteve em prisão preventiva.

Conforme o PortugalDiário noticiou a 10 de Março deste ano, [ver notícia relacioanda: «Valentim quer anular acusação], alguns arguidos do processo «Apito Dourado» invocaram a inconstitucionalidade orgânica da lei para assim conseguirem o arquivamento do processo.

Parlamento passou «cheque em branco» ao Governo

De acordo com este jurista, a lei que pune a corrupção no fenómeno desportivo padece de uma inconstitucionalidade formal, porque foi elaborada com base numa autorização legislativa inválida da Assembleia da República ao Governo.

Ao longo de 49 páginas, Gomes Canotilho refere que esta lei de autorização legislativa não definiu claramente «o objecto, o sentido e a extensão da autorização» concedida ao Governo. Assim sendo, conclui, a autorização concedida passa «um cheque em branco» porque «alarga de forma excessiva a latitude de poderes legislativos do Governo».

Lei para desportistas ou farmacêuticos?

De acordo com o constitucionalista, a autorização dizia apenas que o Governo podia «legislar no sentido de qualificar como crime comportamentos que afectam a verdade, a lealdade da competição desportiva e o seu resultado».

«Fica-se sem saber em que medida está abrangido o desporto profissional e o amador, (. . .) o desporto escolar, etc», escreve. Além disso, a lei de autorização não define o que é um praticante desportivo e nada diz sobre as pessoas que devem ser abrangidas pela lei. Desportistas profissionais? Amadores? Dirigentes desportivos? Árbitros? Médicos? Farmacêuticos? Proprietários de equipamentos desportivos?», interroga-se.

Por outro lado, entende Canotilho, o conceito de «funcionário», previsto no crime de corrupção do Código Penal, não pode aplicar-se, por exemplo, aos presidentes de clubes. A corrupção nestes casos apenas pode ser punida pelo diploma da corrupção no desporto. Diploma esse que o jurista considera inconstitucional. Em termos práticos, entende que não podem ser punidos.

Está nas mãos do juiz que conduzir a instrução (fase destinada a apreciar a decisão de levar o processo a julgamento) dar ou não razão ao parecer e arquivar o mega-processo do futebol. A decisão admite recurso para o Tribunal Constitucional.

Uma táctica frequente

Vários juristas ouvidos pelo PortugalDiário admitem que os advogados invocam com frequência a inconstitucionalidade orgânica das leis para tentar invalidar os processos. «Atiram o barro à parede. Às vezes pega, muitas vezes não», referem várias fontes.

Para o advogado Artur Marques, que solicitou o parecer, esta é a primeira vez que é pedida a inconstitucionalidade da lei que pune a corrupção no fenómeno desportivo.

O facto de vários constitucionalistas de renome, incluindo Gomes Canotilho e Jorge Miranda, considerarem a inconstitucionalidade da lei dá-lhe mais esperança.

«Estou profundamente convencido de que esta lei será declarada inconstitucional. Ainda para mais agora que o Governo anuncia a revisão da lei com base na sua duvidosa constitucionalidade», conclui.

Leia a conclusão deste texto: «Não podíamos assobiar para o lado»
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