Sobreviventes recordam a noite em que o Chiado ardeu - TVI

Sobreviventes recordam a noite em que o Chiado ardeu

  • Redação
  • Cláudia Páscoa da Agência Lusa
  • 25 ago 2008, 08:51
Maria Leonor Moreira Ramirez Vidal de 96 anos de idade segura uma foto com o seu marido que perdeu no incêndio do Chiado a 25 de Agosto de 1988

Fogo levou-lhe a casa, os haveres, o marido e uma vista, mas não conseguiu roubar-lhe a alegria de viver. Aos 96 anos, Leonor conta como foi salva das chamas

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Há vinte anos o fogo levou-lhe o Chiado «de uma vida», a casa, o marido e a vista direita. Não lhe roubou contudo «a energia, a alegria e a força» com que todos os dias dá «graças a Deus» por ter nascido.

Maria Leonor Moreira Ramirez Vidal, 96 anos de idade e 60 de moradora no Chiado, recorda com dor o dia 25 de Agosto de 1988, quando um incêndio devastou o Chiado e lhe levou o segundo marido que, dez anos antes, ela própria pedira em casamento.

«Mas a alegria de viver é mais forte do que a dor», frisa, sublinhando que se toda a vida lidou com uma problema de nascença que lhe deixou as «pernas aleijadas e a ameaça de ter de amputar uma perna», também «não seria o fogo do Chiado» que a ia «assustar ou vergar».

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Resgatada das chamas

Tal como não a assustaram as línguas de fogo que atravessou, quando «de gatas numa tábua» saltou daquela que foi a sua casa durante 40 anos na Rua do Carmo, frente aos armazéns Grandella, para o muro da Escola Veiga Beirão, para ser resgatada pelos bombeiros, atada por uma corda à cintura. Um destino diferente do do seu marido.

«O Mário disse sempre que não era capaz e não foi mesmo, mas eu não podia deixar que as chamas me levassem», diz, sublinhando que sabia que tinha «que chegar aos 95 anos».

«Só agora é que estou fora de prazo. Mas mesmo fora de prazo não estou morta nem deixo que as saudades me consumam», diz, enquanto uma lágrima teimosa assoma ao canto do olho.

Lágrima que renega logo, porque a vida «vale tudo e não deve ser vivida de saudade». «Ora se nem quando fiquei viúva pela segunda vez, sem casa e sem haveres chorei, porque é que havia de chorar agora», questiona, de sorriso rasgado no rosto.

E se o 25 de Agosto é um dia de memória aziaga para Maria Leonor porque lhe destruiu o que tinha «juntado numa vida», nem por isso deixou de seguir em frente e comprar uma casa com «os tostões que lhe restaram».

«Olhe que tinha direito a três mil contos por ter ficado sem casa, mas quando chegou à minha vez não tive direito a nada. Já não havia dinheiro, mas não me preocupei, contei os tostões e comprei esta casa na Rua Oliveira ao Carmo onde moro há 20 anos», explica.

«O dia mais triste»

O incêndio do Chiado é também recordado por Sofia de Jesus Martins. Com 102 anos de idade e 69 de Chiado, Sofia Martins, a mais idosa da freguesia de Sacramento, recorda o 25 de Agosto de 1988 como o dia «mais triste» da sua vida.

Com a filha a viver na Venezuela e reformada do jornal O Século, onde foi telefonista 44 anos, Sofia também não se deixou abater nem intimidar pelo fogo que esventrou o Chiado há 20 anos.

«Quase tudo ficou na mesma»

E se ainda pensou que o fogo poderia ter dado uma nova vida àquela zona, é com tristeza que diz que «quase tudo ficou na mesma». Não abandonou contudo a casa que para si é memória de uma vida e onde recorda os «belos tempos» de um Chiado «cheio de charme».

Se pouco mudou na vida do Chiado, pouco mudou também na vida de Sofia e Maria Leonor, que apesar da idade e «enquanto as pernas» deixarem ainda descem diariamente os três andares de escadas de madeira das suas casas para verem a rua.

E se já não vão ao «coração do Chiado» onde a vida de outros tempos «fervilhava», ainda assomam à rua, onde a vizinhança quase já não se conhece.

Ambas acreditam que, apesar de o Chiado já não ser o que era, ainda é uma das zonas mais lindas de Lisboa e onde apetece viver.
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