Transplantes: «Não se poupou nada e perderam-se vidas» - TVI

Transplantes: «Não se poupou nada e perderam-se vidas»

Saúde (Foto Cláudia Lima da Costa)

Ex-coordenadora nacional demitiu-se quando o ministro da Saúde admitiu que o número de transplantes podia diminuir. E diminuiu mesmo

A ex-coordenadora nacional das Unidades de Colheita de Órgãos, Tecidos e Células para Transplantação acredita que «não se poupou nada e perderam-se vidas» com os cortes nos incentivos à colheita de órgãos para transplantes.

Maria João Aguiar coordenou a rede nacional de colheita de órgãos, criada em 2007, até à sua demissão, em setembro de 2011, após uma entrevista do ministro da Saúde à TVI, na qual Paulo Macedo admitiu que poderia «não haver o mesmo número de transplantes» após os cortes, explicando que era preciso perceber se o país «pode sustentar o atual número de transplantes». A diminuição já se reflete nos últimos números oficiais, que dão conta de uma redução de 22 por cento em relação ao ano passado.

«A colheita de órgãos para transplante era uma bandeira do Serviço Nacional de Saúde, foi uma honra conseguirmos ser os segundos no mundo e foi uma pena ter-se deixado cair isso para nada», afirmou ao tvi24.pt, no âmbito do Dia do Transplante, celebrado esta sexta-feira.

A ex-responsável defende que, se o Governo não tivesse cortado na colheita, estaria a «dar um sinal de que não queria diminuir os números» da transplantação». «Se não o tivesse feito, os números extraordinários que tínhamos podiam ter continuado», frisou.

Segundo Maria João Aguiar, as explicações para a redução de transplantes baseadas na diminuição das causas de mortalidade, como acidentes rodoviários e AVC, «não têm nada a ver» com a realidade. «O número de potenciais dadores é sempre o mesmo, as pessoas morrem sempre», justificou, alegando que o que falta é «sensibilizar os profissionais» e fazer um «reconhecimento público» do seu trabalho.

«A colheita de órgãos é uma atividade que depende muito da disponibilidade, do entusiasmo com que os profissionais no terreno tratam as pessoas que podem vir a ser dadoras e do empenho pessoal em detetar dadores», disse, apontando a «falta sensibilidade» de Paulo Macedo nesta matéria.

«O ministro disse que tínhamos um número muito interessante de transplantes, mas que o país não tem capacidade económica para esse número. Foi por isso que me demiti. Foi chocante para mim, porque mesmo com esse número muito interessante morreram 10, 20 ou 30 pessoas a quem eu não consegui arranjar um órgão», declarou.

A anestesista de transplante garante que a quebra na transplantação é «só» de 22 por cento porque os «mais de 100 profissionais» formados quando coordenava a área «continuam a trabalhar». Em relação ao corte nos incentivos, Maria João Aguiar sublinhou que os profissionais da colheita «não recebem dinheiro», porque este vai para os hospitais e para os cirurgiões. «E não é por ganharmos só metade ou um terço do que ganhávamos que não nos continuamos a levantar de noite para vir trabalhar», apontou.

A ex-coordenadora da Autoridade dos Serviços do Sangue e da Transplantação concorda com uma maior sensibilização dos dadores vivos, conforme a nova campanha da Sociedade Portuguesa da Transplantação, mas refere que «o cadáver é que é o dador ideal». O caminho, esse, acredita que terá de ser «o retomar da rede» de colheita. «Não é o dinheiro que falta, é o reconhecimento, o estímulo», reforçou.
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