Violência doméstica: procuradora contra a lei - TVI

Violência doméstica: procuradora contra a lei

Magistrada critica retrocesso que penaliza as vítimas e ajuda os criminosos

A procuradora-adjunta Maria João Taborda afirmou que a alteração do Código de Processo Penal significou um «retrocesso» na protecção às vítimas de violência doméstica, por retirar ao Ministério Público o poder de emitir mandados de detenção dos agressores, refere a Lusa.

«Esta é uma situação que está, de forma acentuada, a prejudicar a protecção que o Estado pode dar às vítimas», referiu a magistrada do Ministério Público no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto.

Maria João Taborda falava em Vigo, Espanha, à margem de um encontro entre magistrados do Ministério Público de Portugal e Espanha expressamente destinado à discussão da problemática da violência doméstica nos dois países e respectiva legislação.

A magistrada do DIAP do Porto defendeu uma nova alteração do Código de Processo Penal (CPP), restituindo ao Ministério Público a possibilidade de emitir mandados de detenção dos agressores e, assim, salvaguardar os interesses das vítimas.

Detenção só em flagrante delito

«Actualmente, e salvo em casos de flagrante delito, o Ministério Público não pode ordenar a detenção do agressor, para sua posterior apresentação ao juiz. O máximo que pode fazer é encaminhar as vítimas para uma casa-abrigo, o que, no fundo, é uma revitimização das mesmas, já que as obriga a deixarem os seus lares», acrescentou.

Se as vítimas se recusarem a ir para uma casa-abrigo, «o que acontece frequentemente», têm que permanecer em casa, lado a lado com o agressor, «com todos os riscos inerentes» de novas agressões.

Uma situação bem diferente da que se regista em Espanha, país onde, como hoje garantiu a procuradora Soledad Prieto, a Polícia «procede à detenção imediata do agressor ao mínimo risco».

«Anteriormente, a mulher quase que tinha que ser massacrada para o agressor ser detido, mas as coisas mudaram em 2004, com a aprovação da lei integral que integra todas as questões da violência doméstica», disse Soledad Prieto.

Uma realidade que levou Maria João Taborda a admitir que Espanha «está bastante à frente» de Portugal em matéria de protecção às vítimas de violência doméstica.

Outra «brecha» da lei portuguesa

Outra «brecha» apontada por Maria João Taborda à legislação portuguesa em termos de violência doméstica é prever o direito da vítima ao silêncio, «o que dificulta a obtenção dos indícios necessários para acusar ou condenar o agressor» e muitas vezes leva ao arquivamento do processo.

Além disso, a lei também prevê, nos casos que não são graves, a suspensão provisória do processo, desde que pedida pela vítima.

«O problema é que a vítima está, normalmente, numa situação de grande vulnerabilidade e de grande fragilidade, e muitas vezes, por medo, opta por uma postura condescendente para com o agressor», explicou.

Maria João Taborda lembrou ainda que, em Portugal, a mera denúncia da vítima «pode não ser suficiente» para a emissão de mandados de detenção e dedução da acusação, sendo «normalmente» necessárias outras provas testemunhais e periciais.

«Em Espanha, basta a denúncia da vítima para o agressor ser imediatamente detido», contrapôs Soledad Prieto.

39 mortes em Portugal

Dados hoje divulgados referem que, entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006, foram assassinadas 39 mulheres em Portugal, pelos seus companheiros ou ex-companheiros. Em Espanha, em 2007, morreram 75 mulheres.

Um crime de violência doméstica em Portugal é punível com prisão entre um a cinco anos, enquanto em Espanha a moldura penal vai de seis meses a três anos.
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