Quando a chuva trouxe a morte à capital - TVI

Quando a chuva trouxe a morte à capital

  • Portugal Diário
  • 25 nov 2007, 14:39

Faz 40 anos que chuva torrencial resultou nas maiores cheias de Lisboa

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Há 40 anos, a chuva trouxe morte à área metropolitana de Lisboa: cinco horas de temporal ininterrupto causaram cheias catastróficas, que provocaram centenas de mortos e fizeram acordar a consciência política de muitos jovens, escreve a Lusa.

Na noite de 25 para 26, entre as 19:00 e a meia-noite, choveu o equivalente a um quinto da precipitação total no ano de 1967. As cheias foram agravadas por coincidirem com o período da maré cheia, por volta das onze horas da noite.

Além das circunstâncias naturais, a acção humana também contribuiu para agravar ainda mais a catástrofe, devido à construção que impermeabilizou os solos e desviou cursos de água.

A falta de limpeza de vegetação junto aos rios e ribeiras fez com que «entupissem», sem conseguir escoar o caudal e transbordassem, levando toneladas de entulho, lixo e detritos arrastados na torrente de água, que destruíam tudo à sua passagem.

Ninguém sabe número certo de vítimas

Testemunhos da época apontam a falta de eficácia do socorro aos sobreviventes e a tentativa do regime de Salazar de impedir que a opinião pública se apercebesse da dimensão real da tragédia.

A contabilidade das vítimas não é exacta, rondando os 500 mortos e mais de mil desalojados. Quanto aos prejuízos, as estimativas apontam para três milhões de dólares ao câmbio da época.

Perceber que o regime escondia a gravidade da situação, para além de não conseguir auxiliar devidamente os sobreviventes, levou estudantes das associações académicas e organizações como a Juventude Universitária Católica a porem-se em campo, ajudando as vítimas.

Foi o despertar político de muitos estudantes, como o actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, que afirmou ter sido «um dos primeiros momentos de mobilização» da sua geração.

Em Odivelas, um dos locais mais atingidos, o relatório do comandante dos Bombeiros Voluntários indica que as primeiras chamadas começaram a aparecer pouco depois das nove da noite de dia 25, para o lugar do Silvado.

O trabalho dos bombeiros

Debaixo de chuva torrencial constante, os bombeiros salvaram alguns habitantes de barracas e aconselharam os moradores de caves a subirem aos andares superiores.

Os pedidos de socorro continuaram a multiplicar-se à medida que a noite avançou e em breve os bombeiros não tinham mãos a medir.

Sem ter noção exacta da gravidade das cheias, o relatório refere que só pelas onze da noite se percebeu que aquela não era uma cheia normal.

«Às 23:40 estava consumada a grande catástrofe com todas as estradas cortadas para Odivelas, e centenas de pessoas a gritar pedindo para as salvar», escreveu o comandante Fernando Aleixo.

Começaram os pedidos de auxílio a outras corporações, que não tinham capacidade de responder por também estarem completamente ocupadas.

Apesar de todas as dificuldades, os bombeiros conseguiram salvar «com risco da própria vida» algumas pessoas de morrer afogadas: o relatório refere que um bombeiro, «a nado e às escuras», conseguiu resgatar duas crianças de dois e três anos.

Os bombeiros de Odivelas conseguiram salvar pessoas de dentro de carros apanhados pelas águas, do cimo de telhados de barracas e árvores.

O relato do comandante dos Bombeiros de Odivelas conta que pelas quatro da manhã começaram a chegar ao quartel os primeiros cadáveres de vítimas.

Doze horas depois, havia mais de sessenta mortos recolhidos no quartel, mas a conta não ia ficar por aí, uma vez que no rescaldo da enxurrada foram encontrados ainda mais cadáveres.

O próprio corpo de bombeiros não saiu imune da noite de tempestade: todas as viaturas ficaram danificadas e um autotanque perdeu-se na enxurrada de água, lama, árvores e detritos.
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