«Hiperpenalização do tráfico de droga é um erro» - TVI

«Hiperpenalização do tráfico de droga é um erro»

Magistrado diz que só contribui para aumentar casos de prisão preventiva. Se os juízes conhecessem as cadeias, as suas decisões seriam «mais lúcidas»

Quais são os fundamentos mais invocados por quem recorre das preventivas?

A inexistência de perigo de continuação da actividade criminosa é o fundamento mais utilizado, depois vem a perturbação da tranquilidade pública, depois o princípio da adequação e da proporcionalidade, o perigo de fuga, a suficiência ou insuficiência de indícios e finalmente a perturbação do inquérito ou instrução. Isto é outra coisa interessante. As pessoas insurgem-se sobretudo com as cláusulas gerais, isto é, com os requisitos a que todas as medidas de coacção devem obedecer para serem aplicadas e não com os requisitos específicos da prisão preventiva.

E quem é que recorre mais?

Quem recorre da prisão preventiva são sobretudo os arguidos ligados ao tráfico de estupefacientes. Então eu pergunto, não será que o que está mal é a hiperpenalização do tráfico de estupefacientes, porque não distingue entre o verdadeiro tráfico e os tráficos menores? Se a nossa lei fosse devidamente feita, havia de separar entre os verdadeiros traficantes e todos os outros: os do tráfico do retalho, o correio de droga, o traficante/consumidor. Mais uma vez são outras variáveis que não têm que ver directamente com a prisão preventiva que determinam os números da prisão preventiva. Se calhar o legislador podia diminuir os números da prisão preventiva olhando para outras coisas que estão à volta e que vão repercutir-se nesse número.

Quer dar outros exemplos do que deve ser alterado?

As medidas alternativas à prisão preventiva devem ser implementadas. A utilização da pulseira electrónica deve ser alargada a todo o país. Mas outro aspecto muito importante é que os magistrados, seja o Ministério Público sejam os juízes, tenham conhecimento da realidade penitenciária, para quando aplicarem a prisão preventiva saberem o que estão a fazer à pessoa.

E os juízes não conhecem as prisões?

Não. A maioria dos juízes nunca entrou numa prisão. Não têm ideia do que é o mundo penitenciário. E se isso é grave na prisão preventiva, é gravíssimo na aplicação da pena. O Centro de Estudos Judiciários tinha de ter uma outra postura e dar valor a outros componentes da formação, que até hoje foram absolutamente descurados.

Se os juízes conhecessem a realidade prisional prenderiam menos?

Acho que sim. Pelo menos, as decisões seriam mais lúcidas e informadas. Havia a percepção concreta daquilo que estavam a aplicar. É perfeitamente alheio aos magistrados o estado das prisões e dos reclusos. E isso era fundamental. Decretar a prisão de alguém sem conhecer um estabelecimento prisional é como dizer a um filho que não sabe nadar que salte para uma piscina cuja profundidade desconhecemos. Podemos estar a cometer um erro crasso.

Leia seguir a parte final da entrevista: «Não mexia nos prazos de prisão preventiva»
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