«Quando olho para trás, não me dá vontade de rir, mas também não choro. Foi uma experiência de vida». É assim que Pedro Henriques resume os 17 anos em que consumiu drogas, vício que o levou mesmo a viver na rua e a perder quase tudo. Agora que está limpo, usa essa experiência para ajudar os sem-abrigo. E é isso que vai fazer nesta noite de consoada. No dia 24 de Dezembro, a família fica em casa e Pedro vai para a rua ajudar quem precisa.
Histórias de quem passa o Natal a ajudar
«Ganhava 2500 contos e gastava tudo em droga»
Foi aos 12 anos que Pedro começou a experimentar as drogas. «Comecei a consumir cocaína e heroína por brincadeira aos fim-de-semana. Eram só umas gramas e achava que conseguia controlar», conta ao «PortugalDiário». O tempo foi passando, começou a trabalhar e até teve «bons empregos». «Eu tinha tudo, mas descambei. Consumia heroína, cocaína, tudo... Cheguei a ganhar 2500 contos por mês e gastava tudo em droga. Tinha três cartões multibanco para poder levantar mais de 120 contos por dia para consumir».
Com o vício cada vez maior «deixei de ter capacidade para trabalhar e comecei a roubar. A família deixou de confiar em mim. E só não fui preso por sorte». Nessa altura, já Pedro tinha casado e tinha nascido o primeiro filho. «Cheguei a viver 6 meses no Casal Ventoso e só aparecia em casa uma vez por semana. Acho que a minha mulher só não me deixou porque gosta muito de mim».
Pedro conta que a heroína «era uma amante. A primeira prioridade era eu e essa amante, só depois vinham os outros». A dependência era tal que «nem conseguia fazer a barba sem antes ir consumir».
Um dia, logo após o nascimento da segunda filha, resolveu pedir ajuda e fez um tratamento para deixar de consumir. Já lá vai uma década desde a última vez que se drogou.
«Encontro pessoas que se drogavam comigo»
Há seis anos, Pedro Henriques começou a colaborar como voluntário na «Comunidade Vida e Paz», uma associação de apoio aos sem-abrigo. Reconhece que se revê naqueles que ajuda. «Eu percebo a linguagem deles e os vícios. Sei quando querem realmente ajuda ou quando só estão a tentar agradar».
«Não ando com uma folha a dizer que vivi na rua, mas muitas vezes conto-lhes aquilo por que passei. E digo-hes: "Se eu consegui, vocês também conseguem"». Mas esconder também nem sempre seria possível. «Ás vezes encontro na rua pessoas que que se drogavam comigo. Ficam a olhar para mim muito admirados, até porque eu pesava 50 quilos quando me conheceram e agora peso 116. Mas o facto de me reconhecerem facilita a aproximação».
«Já tirei três da rua»
Pedro reconhece que teve sorte, ou «mais do que isso», por ter sobrevivido à experiência das drogas e da rua. «Acho que se estou aqui, por alguma coisa. Eu consegui salvar-me e tento salvar mais alguém». Por isso, todas as quartas-feiras faz a volta numa das carrinhas da associação.
«Já tirei três da rua. Encaminhei-os para tratamento para deixarem o álcool e as drogas. Mas às vezes também me envolvo demais. Sei que não é por eu querer que a pessoa vai ficar bem. É preciso que eles queiram ser ajudados».
Para Pedro Henriques, o voluntariado «é um prazer». «Durante muito tempo só me preocupei comigo. Agora gosto de ajudar os outros». Por isso, lá em casa, a ceia de Natal deste ano terá de ser um bocadinho mais cedo. «Jantamos às 20 horas e depois eu saio para a rua». «A família não se importa», garante. «O meu filho também quer ir e anda a tentar convencer a mãe».
Pela experiência, Pedro acredita que estará menos gente na rua nesta noite. «Há muitos que são sem-abrigo, mas que no Natal vão à terra e dizem que têm um bom emprego. Há muita pobreza encapotada». Mas também sabe que, «os que estiverem são pessoas que estão muito carentes de afecto e um bocado revoltados».
«Se eu consegui, vocês também conseguem»
- Sara Marques
- 25 dez 2008, 18:59
Por causa da droga, chegou a viver na rua e quase perdeu tudo. Agora usa essa experiência para ajudar quem precisa, mesmo na noite de Natal
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