«Será que eles não sabem que vivemos na rua todo o ano?» - TVI

«Será que eles não sabem que vivemos na rua todo o ano?»

Jantar dos sem-abrigo oferecido pela Comunidade Vida e Paz

Há quem decida não passar a noite de Natal com a família para ir ajudar quem mais precisa

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Era o primeiro Natal da filha bebé. A família estava toda reunida em casa, mas Hugo Azevedo não ficou para passar a noite da consoada. Tal como faz de 15 em 15 dias, este vendedor de 38 anos, saiu na carrinha da «Comunidade Vida e Paz», uma instituição de apoio aos sem-abrigo, na qual faz trabalho voluntário.

«Não me inscrevi propositadamente para aquela noite. A minha volta quinzenal calhou de ser nesse dia. Mas claro que não me importei. Até o fiz com mais gosto», explica ao «PortugalDiário».

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Associações ajudam no Natal dos desfavorecidos

Foi assim o Natal de 2007 e Hugo conta que, este ano, se tivesse que ser, também o faria. «Era complicado por causa da minha filha. Custou-me não a ter visto abrir as prendas o ano passado. Mas se o meu turno calhasse novamente no dia 24, também o faria». Até porque «a família compreende». «Eles sabem que este é um compromisso que eu assumi e que não posso ser voluntário só quando me dá jeito».

«É uma época muito difícil para quem vive na rua»

Hugo explica que «esta é uma época muito difícil para quem vive na rua». «Dizem-me: "a minha família não quer saber de mim. Não querem saber se eu estou bem, se tenho comida". Nós sabemos que é difícil, não só para quem vive na rua, mas para quem está sozinho: tentamos não falar dessas questões para não os fazermos sentirem-se pior», conta o voluntário.

E além da tristeza de passar o Natal na rua, há ainda um sentimento de revolta. «De repente, vêem chegar muita gente para ajudar. Pessoas que aparecem uma vez por ano, muitas vezes para se sentirem melhor ou para experimentar. E claro, quem vive na rua nota isso. Há alguns que me perguntam: "será que eles não sabem que vivemos aqui todo o ano?"».

«Já tive uma pistola apontada à cabeça»

Hugo Azevedo conhece bem a realidade dos sem-abrigo. «Trabalho há três anos com a Comunidade Vida e Paz em Lisboa e antes fiz o mesmo em Madrid durante dois anos». Por isso, conta que a noite de Natal acaba por ser uma noite como as outras. «Eles ficam contentes por nos ver chegar e muitas vezes nem é só pela comida que levamos. É por terem alguém com quem conversar, alguém que se preocupa com eles e que os pode ajudar».

Entre os episódios mais marcantes, Hugo Azevedo guarda lugar para um particularmente difícil. «Já tive uma pistola apontada à cabeça. Não foi de um sem-abrigo, foi de um polícia, porque às vezes também é preciso mediar conflitos», conta, recordando uma noite em que os ânimos na rua se exaltaram e Hugo decidiu intervir. Mas isso não o desmoralizou e «15 dias depois, estava lá outra vez».

Com o espectro da crise, o voluntário diz contabilizar mais pessoas à procura de ajuda. «Vêm à carrinha buscar comida, mesmo que não vivam na rua. Partilham apartamentos ou alugam quartos e o dinheiro não chega para comprar comida».
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