SNS perde único médico que fazia mudanças de sexo - TVI

SNS perde único médico que fazia mudanças de sexo

  • tvi24
  • Manuela Micael
  • 2 mar 2011, 12:12
Saúde (Foto Cláudia Lima da Costa)

O cirurgião plástico João Décio Ferreira reformou-se, ao fim de 41 anos de serviço. Propuseram-lhe continuar a operar, recebendo 6 euros brutos à hora

O único médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que fazia cirurgias de mudança de sexo reformou-se e agora não há quem faça esta operação no serviço público. O cirurgião plástico João Décio Ferreira deixou o Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Santa Maria, depois de lhe ter sido proposta a continuidade, fazendo 35 horas semanais e recebendo um terço do salário ou da reforma, ou seja, cerca de seis euros brutos à hora. Deste valor, ainda teria de ser descontado o IRS e a Segurança Social. Uma remuneração que o clínico considera «ofensiva».

«O que as pessoas me têm dito é que pagam mais à empregada doméstica», disse João Décio Ferreira, em declarações ao tvi24.pt.

Inicialmente, João Décio Ferreira ainda ficou no SNS, através de uma empresa externa de prestação de serviços, trabalhando 15 horas semanais, pagas a 35 euros à hora. «Era mais ou menos o que um canalizador leva de ir lá a casa arranjar a torneira, mas não era tão ofensiva», sublinhou, com ironia.

Mas entretanto saiu uma nova lei que impede que as empresas forneçam serviços ao SNS através de médicos reformados. Foi então que surgiu a proposta de 35 horas semanais pagas a seis euros a hora. «Descontei 41 anos para ter uma reforma e depois pedem-me para continuar a trabalhar, mas com uma remuneração ofensiva. Estaria 10 horas a operar para ganhar 40 euros», contabilizou.

João Décio Ferreira ainda trabalhou de forma gratuita durante Janeiro e Fevereiro, «por amor à camisola». Agora, preocupa-o a situação dos pacientes que esperam por cirurgia. Ironicamente, a notícia da falta de médico para realizar a cirurgia de mudança de sexo, avançada pelo «Jornal de Notícias», surge um dia depois de Cavaco Silva promulgar a lei que simplificará a mudança de sexo e de nome no Registo Civil.

«Durante anos, os transexuais tinham de processar o Estado para alterar o nome e o sexo na sua documentação. Agora já o podem fazer, sem terem de processar o Estado. Mas aquilo que mais querem, que é adaptar o corpo ao seu género e ao seu cérebro, o Estado não lhes dá no SNS. Aqueles que têm a ADSE vão poder ser operados, por exemplo no Hospital de Jesus, onde já operei alguns doentes. Aqueles que só têm a caixa de previdência não podem ser operados», denunciou.

João Décio Ferreira sugere a realização de um acordo entre o SNS e uma entidade privada, que possibilitaria a continuação da realização das cirurgias. «Penso que era vantajoso para todos um acordo entre o SNS e o Hospital de Jesus, por exemplo, que se tem mostrado interessado», adiantou ao tvi24.pt.

De acordo com João Décio Ferreira, há nove processos à espera de autorização da Ordem dos Médicos para a realização da cirurgia. O jovem médico que ficou no Santa Maria ainda tem dois anos de especialização pela frente, pelo que, só dentro de dois anos, estes pacientes poderão ser sujeitos à operação.
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