Durante o mês de outubro, 41 bebés foram internados com o vírus sincicial respiratório (VSR), o que representa 66,1% das hospitalizações em crianças com menos de dois anos por infeção respiratória aguda (que no total foram 62), segundo o mais recente relatório do INSA, relativo à semana de 24 a 30 de outubro, que conta com dados das notificações feitas por hospitais no VigiRSV - Projeto de Vigilância da infeção pelo Vírus Sincicial Respiratório.
A tendência de novos casos de infeção e internamento nesta faixa etária tem sido de subida e já está a causar constrangimentos em alguns hospitais. No Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, sabe a CNN Portugal, o serviço de pediatria está cheio, mas estão a ser aumentadas as vagas para precaver o aumento de internamentos, revela fonte deste hospital.
No relatório da semana anterior, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge já tinha alertado para “um aumento do número de internamentos por infeção por VSR em crianças menores de dois anos”, mas tais internamentos estão a acontecer mais cedo do que o habitual e os casos são mais graves, explica à CNN Portugal Manuel Ferreira de Magalhães, pneumologista pediátrico no Centro Materno Infantil do Norte, no Porto.
“Sem dúvida que é um aumento muito significativo, no número e na gravidade. Estamos a falar de casos de infeção principalmente em bebés, no primeiro ano de vida, e episódio de internamento em UCI [unidade de cuidados intensivos]”, explica.
Alberto Caldas Afonso, diretor do Centro Materno Infantil do Norte, reforça que, de momento, esta unidade do Centro Hospitalar Universitário do Porto, tem “um número importante de pequenos lactentes [que ainda estão a ser amamentando] internados com VSR” e que “a pandemia veio modificar os picos epidemiológicos”, assim como a imunidade das pessoas, inclusive das crianças. “No pós-período de isolamento, nomeadamente no ano passado, logo em agosto, houve casos de bronquiolite que eram residuais no mesmo período pré-pandémico”, diz, explicando que, tal como se verifica agora, “tudo tem a ver com o sistema de estimulação imunológico, que não se efetivou” e que, por isso, deixa as crianças mais “suscetíveis ao contacto com estes agentes”.
“No período pré-pandémico era em dezembro e janeiro que apareciam situações desta natureza. Este ano está a acontecer a partir de outubro, estamos a ter um impacto significativo de situações com indicação para internamento. E o que está a acontecer nas urgências pediátricas é um movimento perfeitamente atípico, com um número grande de crianças a ir à urgência. Mas, felizmente, a grande maioria não tem indicação de internamento.”
Fonte do Hospital Santa Maria, em Lisboa, também confirma o aumento do número de internamentos devido a este vírus, afirmando que “todos os hospitais têm estado sob grande pressão” e que “há um número muito significativo de bronquiolites” associadas a este vírus. A mesma fonte indica que o cenário era habitual em todos os invernos pré-pandemia, mas que “este ano começou mais cedo”. E o mesmo relatório do INSA mostra isso mesmo: atualmente, a taxa de incidência e hospitalização por este vírus (semana 43) ultrapassa os níveis registados na semana 46 do ano passado, correspondente a 15 a 21 de novembro, o que mostra que o vírus chegou um mês antes.
Para Manuel Ferreira Magalhães, o facto de se estar a assistir a um pico mais precoce do que nos anos pré-pandemia deve-se à própria pandemia, que veio alterar "a época sazonal" deste e de outros vírus respiratórios. No caso do VSR, este costuma ser comum "entre novembro e março", mas este ano foi no mês de outubro que se notou uma subida do número de casos e internamentos.
“Houve uma diminuição muito grande da circulação de vírus, as crianças não estiveram expostas a uma modulação da sua imunidade para isto, mas não há uma resposta a 100%”, adianta.
No caso do Hospital São João, no Porto, durante o mês de outubro, estiveram 29 doentes em idade pediátrica internados por infeções respiratórias víricas . “Destes, seis por VSR. Os restantes são outros vírus: adenovírus, rinovírus, influenza, parainfluenza”, esclarece o hospital à CNN Portugal.
A CNN Portugal contactou outros hospitais de Norte a Sul do país para saber como está a situação de camas para internamento em pediatria, mas não obteve resposta em tempo útil.
O que é este vírus?
No último ano - desde a primeira semana de outubro de 2021 e a última de outubro de 2022 -, foram reportados 285 casos de internamento por VSR. “Cerca de 42% dos casos tinham menos de três meses de idade, 15% ocorreram em bebés pré-termo e 14% tinham baixo peso ao nascer. Relativamente a critérios de gravidade, 11% foram internados em Unidades de Cuidados Intensivos ou necessitaram de ventilação (não invasiva/convencional)”, indica o relatório do INSA.
O vírus sincicial respiratório é o chamado vírus das bronquiolite, não existindo um “tratamento especial”, “o que é um problema”, diz Manuel Ferreira de Magalhães. “É esperar que passe”, continua, embora diga que pode ser bastante penoso para as crianças, sobretudo bebés e sem capacidade de expectorar por si. “[O vírus] enche as crianças de secreções, não há muita forma de impedir que aconteça”.
A Rede de Vigilância de Vírus Sincicial Respiratório (VigiRSV) conta com 19 hospitais públicos e um hospital privado e tem-se focado, sobretudo, em crianças com menos de dois anos, mas Manuel Ferreira Magalhães alerta que este vírus não escolhe idades e que os mais idosos parecem estar mais à mercê da sua ação precoce e intensa este ano.
O médico fala de “casos de idosos gravemente doentes com o VSR”, algo que diz ser “dramático”, instando a que se preste “atenção” ao facto de “a infeção por VSR passar das crianças para os idosos e de estes estarem a ficar gravemente doentes”.
Para Caldas Afonso, “não há razões para entrar em pânico”, até porque, diz, “isto faz parte do crescimento imunológico”, mas reconhece que esta situação merece atenção e até medidas para evitar uma escalada dos internamentos. Neste ponto, sugere que as escolas e infantários não permitam que “os meninos passem as chupetas de uns para os outros, que metam os brinquedos na boca”, mas também que os cuidadores e educadores (nas creches, infantários e escolas, como também em casa) “usem máscara” se apresentarem “um quadro de infeção respiratória”.