A preferência da Comissão Técnica Independente por um novo aeroporto em Alcochete e o “chumbo” ao Montijo motivaram fortes críticas da ANA, acusando-a de apoiar uma obra desmedida e com custos muito elevados para o contribuinte, quando há alternativa a “custo zero”. Há argumentos de cada um dos lados da barricada.
A reação da concessionária dos aeroportos nacionais não surpreende. Há vários anos que a sua opção preferida para o reforço da capacidade aeroportuária é o Montijo. Há já um projeto desenhado e chegou a ser firmado um acordo com o Governo em janeiro de 2019, que previa um investimento de 1,15 mil milhões de euros na expansão do Humberto Delgado a abertura de uma nova infraestrutura naquele concelho da margem esquerda do Tejo.
Já o trabalho da Comissão Técnica Independente (CTI) concluiu que a opção Humberto Delgado + Campo de Tiro de Alcochete é a que apresenta mais vantagens, tendo em conta os critérios analisados. O Montijo é considerado inviável.
O montante de investimento necessário é um dos argumentos a favor do Montijo. Segundo as contas plasmadas no relatório de análise das opções estratégias para o novo aeroporto, apresentado na terça-feira pela CTI, uma solução dual em conjunto com a Portela implica um custo global de 1,38 mil milhões de euros.
A combinação da Portela com o Campo de Tiro de Alcochete representa um investimento de 3,23 mil milhões, considerando também só uma pista. São mais 1,86 mil milhões do que o Montijo, mas quer um quer outro pagam-se com a cobrança de taxas aeroportuárias.
Montijo é o mais rentável
Porque prefere então a ANA o primeiro? Porque sendo o investimento menor, mais depressa o rentabiliza. Isso mesmo é confirmado pelo relatório da CTI, onde se conclui que “a opção Humberto Delgado + Montijo apresenta o Valor Atual Líquido [que calcula o valor atual dos fluxos de caixa futuros gerados por um investimento] mais elevado das oito opções” estudadas. Enquanto a opção preferida pela ANA gera um valor de 3.589 milhões euros até 2050, a recomendada pela Comissão Técnica fica pelos 1.277 milhões.
A concessão dos aeroportos portugueses foi uma aposta ganha pela Vinci, a empresa francesa que venceu a privatização da ANA em 2012. Desde então, já conseguiu lucros de 1.454 milhões, o equivalente a 47,2% dos 3.080 milhões que pagou ao Estado. A margem operacional do negócio situa-se nuns generosos 58%. O Montijo é o que melhor “protege” o investimento realizado.
Há ainda que considerar os custos com as acessibilidades. No caso do Montijo, é prevista uma ligação rodoviária direta à A12, num investimento de 32 milhões de euros. Se for acrescido o acesso ferroviário descrito no relatório da CTI, com ligação à linha de Alta Velocidade, o custo é de, pelo menos, 408 milhões. Tudo somado dá 440 milhões de euros. Estes investimentos já teriam de ser financiados pelos contribuintes.
No caso do Campo de Tiro de Alcochete, seria necessária uma nova Infraestrutura rodoviária a ligar a A12 à A13, com um nó de acesso ao aeroporto. A proposta base tem um custo de 185 milhões de euros. A acessibilidade ferroviária representaria, segundo o relatório da CTI, um investimento de “apenas” 282,5 milhões de euros, “uma vez que se trata da retificação do traçado de uma linha de Alta Velocidade já prevista”. Somando os dois acessos chega-se a uma quantia – 468 milhões.
Em suma, o Montijo é substancialmente mais barato se for considerada apenas a ligação rodoviária. Juntado a ferroviária a diferença encolhe para 28 milhões.
Quarta pista no Campo de Tiro de Alcochete só em… 2086
O presidente da ANA afirmou em entrevista à TVI que “há uma alternativa [a Alcochete] que custa zero os contribuintes”. Depende das acessibilidades que se quiser ter. Os aeroportos principais na Europa têm habitualmente ligações ferroviárias. Fará sentido que o Montijo, assumindo-se como aeroporto principal, também as tenha.
José Luís Arnaut criticou também a dimensão prevista para a infraestrutura em Alcochete e o seu custo: “O Estado tem que saber se quer gastar oito mil milhões de euros num aeroporto maior que o de Frankfurt, se quer gastar esse dinheiro, ou se prefere fazer os hospitais que foram prometidos e que não estão feitos”.
Uma infraestrutura no Campo de Tiro de Alcochete permite, de facto, chegar a quatro pistas, como tem o aeroporto de Frankfurt, e 136 voos por hora. Mas os estudos da Avaliação Ambiental Estratégica estimam que a quarta pista só seja necessária em 2086. Quanto mais pistas, mais dispara o custo da solução recomendada pela Comissão Técnica: com duas passa para 6,1 mil milhões, com três salta para 9,1 mil milhões e com quatro para 10,2 mil milhões.
Montijo “chumbado” devido a limites à expansão
A Comissão Técnica considerou o Montijo inviável. O principal motivo é o facto de não permitir satisfazer a procura de passageiros prevista além de 2050, no cenário mais conservador, devido aos limites físicos à sua expansão. Mas há outras razões.
O relatório aponta constrangimentos no tráfego aéreo devido a vários conflitos com áreas militares. É também a opção que afeta mais população e tem mais impacto na biodiversidade e recursos naturais. Já a pegada carbónica é a menor.
Apresenta também outras vantagens. É o mais próximo do Humberto Delgado, o mais rápido de construir e o que apresenta a melhor relação custo-benefício.
O Campo de Tiro de Alcochete “vence” em quase todos os critérios analisados pela CTI, incluindo naqueles em que o Montijo aparece pior classificado. Com a grande vantagem de poder responder sem restrições à procura futura.
A decisão final será política. O tira teimas caberá ao próximo Governo, numa solução que deverá ser consensualizada entre o PS e o PSD.