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«Reforma só se estiver a morrer»

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Um cancro roubou-lhe o intestino e obrigou-a a viver com um saco preso à barriga, por onde saem as fezes, sem que tenha controlo sobre elas. Pediu aposentação, mas junta médica diz que professora «não reúne as condições necessárias»

Maria da Conceição Ferrão tem 57 anos e passou mais de metade da vida a dar aulas. Há dez anos, um cancro no cólon obrigou-a a uma operação em que lhe retiraram parte do intestino e que lhe mudou a vida. Fez quimio e radioterapia e vive com um saco colector preso à barriga, por onde lhe saem as fezes, sem que tenha qualquer controlo sobre elas. Juntas médicas declararam-na incapaz para exercer funções docentes, mas quando pediu aposentação, responderam que «não reúne as condições necessárias».

Com a serenidade de quem já vive nesta situação há 10 anos, a docente contou ao PortugalDiário a sua história. Em 1997 foi-lhe diagnosticado um cancro no cólon e foi submetida a uma colostomia, uma cirurgia em que lhe retiram parte do intestino e lhe coseram o ânus. Desde então vive com um saco colector preso à barriga, do lado de fora, por onde saem as fezes.

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«Por não haver músculo, não tenho controlo sobre a saída das fezes. É como se fosse incontinente», conta. O saco vai enchendo e tem de ser trocado várias vezes, situação que se agrava quando tem descargas intestinais, cerca de uma vez por semana, altura em que «o saco enche de imediato, chegando por vezes a rebentar», sem aviso prévio, nem forma de evitar.

«Esteja onde estiver, tenho de voltar para casa e tomar banho», explicou. Depois, sente uma «enorme exaustão» e precisa de se deitar para descansar. «É difícil por isso cumprir horários, porque os intestinos não os têm», lamentou.

A docente conta que, devido a este problema, já teve de passar mais de uma hora na casa de banho a trocar os sacos e foram muitas as vezes em que foi trabalhar de manhã e teve de voltar a casa para tomar banho e trocar de roupa.

Além disso, conta que também não tem controlo sobre a saída de gases, sendo que ocorrem em qualquer sítio, mesmo em frente aos alunos. «Trabalho com alunos de 10/11 anos, que, por isso, não têm problema em dizer que a professora cheira mal», conta.

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Apesar das restrições que a doença lhe provoca, só em 2006 pediu a aposentação. «Tive dois anos de licença que a lei permite e, quando voltei, uma junta médica da Direcção Regional de Educação declarou que eu tinha 80 por cento de incapacidade e, por isso, dispensou-me totalmente da componente lectiva». Assim, Maria da Conceição cumpria 20 horas semanais na escola sem ter turmas a seu cargo, mas sempre trabalhando com alunos. Esteve colocada na biblioteca, em apoio a alunos com necessidades especiais e grupos de estudo acompanhado.

De seis em seis meses era submetida a juntas médicas de rotina, mas o parecer era sempre o mesmo, «incapacidade para exercer funções docentes». Ainda assim, nos últimos anos, passou a ser obrigada a cumprir 35 horas semanais. «Entro às 9.15 e saio às 5 ou 6 horas. Na minha situação é muito cansativo», explicou. Passados quatro anos, em Dezembro de 2006, pediu a aposentação.

«Nem sei se eram médicos»

Foi presente a uma junta médica em Coimbra, que não demorou muito a decidir. «Perguntaram-me o nome e a idade. Dei-lhes o relatório da médica de oncologia que me acompanha no IPO, que leram atentamente. Depois perguntaram-me os motivos que me levaram a pedir a aposentação. Disse-lhes que era colostomizada, mas acho que eles nem perceberam o que isso é, nem sei sequer se eram médicos. Puseram uma cruz à frente do meu nome e mandaram-me embora».

Maria da Conceição nem duvidou que teria a reforma antecipada. Mas não foi isso o que aconteceu. Algum tempo depois, a escola recebeu um relatório da junta médica que dizia que a docente «não reunia condições para a aposentação». Maria da Conceição não esconde a revolta. «Só dão a aposentação a quem está às portas da morte». «Parece que o Estado se esqueceu de que tenho 33 anos de serviço», desabafa. Agora, vai esperar nove meses para poder voltar a pedir a aposentação.

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