Submarinos nucleares. Estados Unidos, Reino Unido e Austrália juntos contra a China: eis o projeto Aukus - TVI

Submarinos nucleares. Estados Unidos, Reino Unido e Austrália juntos contra a China: eis o projeto Aukus

Anthony Albanese, Joe Biden e Rishi Sunak assinam o acordo Aukus (Foto: EPA)

Acordo prevê a construção de uma nova classe de submarinos nucleares. China não gostou e especialistas temem que a decisão abra um precedente perigoso

Os líderes de Estados Unidos, Reino Unido e Austrália anunciaram esta segunda-feira as linhas gerais do acordo tripartido Aukus, que verá a Austrália adquirir os seus primeiros submarinos nucleares da história.

Segundo o anunciado durante o encontro entre Joe Biden, Rishi Sunak e Anthony Albanese em San Diego, na Califórnia, o plano deverá custar 336 mil milhões de euros à Austrália até à década de 2050, sendo nove mil milhões de euros gastos nos próximos quatro anos.

O objetivo é contrariar a influência chinesa na região do Indo-Pacífico, particularmente no Mar do Sul da China. A capacidade naval que Pequim tem evidenciado nos últimos anos levou a Austrália a investir fortemente neste projeto. Os submarinos atualmente ao serviço da marinha do país, da classe Collins, não conseguem operar longe das bases militares na costa australiana. Os novos submarinos que deverão entrar o serviço de Camberra têm também maior capacidade de ataque, e podem permanecer no mar durante semanas consecutivas sem necessidade de reabastecer, evitando, deste modo, a deteção pelos radares.

O plano anunciado terá quatro fases. A primeira, que começa de imediato, será de treino e ambientação dos marinheiros australianos às novas embarcações, e incluirá visitas dos submarinos nucleares americanos aos portos australianos. Na fase embrionária do projeto, várias tripulações australianas irão também passar temporadas de treino em navios da marinha norte-americana.

Na segunda fase, que terá início em 2027, os Estados Unidos irão estacionar até quatro submarinos da classe Virginia na base naval HMAS Stirling, na costa oeste da Austrália. O Reino Unido, por seu turno, também irá estacionar um submarino, da classe Astute, nesta base.

A venda de submarinos deverá ter início na terceira fase, que começará na década de 2030. Após aprovação do Congresso dos Estados Unidos, Washington D.C. venderá três submarinos da classe Virginia à Austrália, ficando o governo de Camberra com a opção de comprar mais dois se necessário.

A quarta e derradeira fase consiste no desenvolvimento e construção de uma nova classe de submarinos, os SSN-Aukus, que vão combinar a tecnologia americana com o design britânico. De acordo com The Guardian, tanto a Austrália como o Reino Unido esperam começar a construir os SSN-Aukus nos seus estaleiros navais antes do final desta década. É esperado que a primeira unidade deste tipo de navios entre ao serviço do Reino Unido no final da próxima década. No entanto, a Marinha da Austrália só deverá receber o seu primeiro SSN-Aukus fabricado em solo australiano no início da década de 2040.

Estes submarinos serão equipados com armas nucleares?

Joe Biden fez questão de clarificar este ponto várias vezes durante o seu discurso ao lado de Sunak e Albanese: estes submarinos são movidos a energia nuclear e não serão equipados com armas nucleares, o que "não põe em causa" o estatuto de país não-nuclear com o qual a Austrália se comprometeu. "A Austrália é, orgulhosamente, um Estado sem armas nucleares, e está empenhado nesse compromisso. Estes submarinos não serão equipados com qualquer tipo de armas nucleares", afirmou o presidente norte-americano.

Ainda assim, várias organizações já expressaram preocupação com a proliferação da tecnologia nuclear, uma vez que esta é a primeira vez desde 1968 que é invocada uma exceção no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares para se transferir material físsil de potências nucleares para uma não-nuclear sem aprovação e monitorização da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Segundo o The Guardian, há peritos que apontam que esta decisão pode abrir um precedente que possibilite a vários países ocultar urânio enriquecido e plutónio do regulador internacional.

Num texto publicado em 2021, James Acton, co-diretor do programa de política nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, classifica como “negativas e sérias” as consequências deste acordo para a não-proliferação nuclear, já que cria um “pretexto óbvio” para “esconder” material nuclear da AIEA.

Pequim deixa um alerta

A reação do governo chinês não se fez esperar. Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, acusou os três Estados de “continuarem por um caminho perigoso” e de “ignorarem” as preocupações securitárias da comunidade internacional. “A compra destes submarinos constitui um grave risco de proliferação nuclear e viola as metas e objetivos do Tratado de Não-Proliferação”, atirou, acusando os países signatários de terem a “mentalidade da Guerra Fria”.

No entanto, Wenbin referiu que Pequim mantém abertos os canais de diálogo com os Estados Unidos. “Acreditamos que o valor e o significado da comunicação é melhorar a compreensão e gerir as diferenças”, afirmou o responsável, citado pela Reuters.

França fica a ver navios

Este acordo não foi o primeiro que a Austrália assinou com um parceiro ocidental para o fornecimento de novos submarinos. Em 2016, o primeiro-ministro australiano à época, Malcolm Turnbull, anunciou que a construtora francesa Naval Group tinha ganho o concurso para o fabrico de 12 submarinos da nova classe Attack, um projeto no valor 55 mil milhões de euros. Estimava-se que os primeiros submarinos entrassem ao serviço na década de 2030, com a construção dos mesmo a prolongar durante cerca de 20 anos.

No entanto, a 16 de setembro de 2021, o então primeiro-ministro australiano Scott Morrison comunicou o cancelamento do contrato com o Naval Group, alegando que a Austrália precisava agora de um submarino nuclear “dada a nova situação estratégica no Indo-Pacífico”. Nesse mesmo dia, Morrison, Joe Biden e Boris Johnson anunciaram o projeto Aukus.

O cancelamento do acordo franco-australiano criou um grave incidente diplomático entre os dois países. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, classificou o incidente como uma “facada nas costas”. “Numa aliança [NATO] real falamos com os outros, não se esconde nada, respeitamos as outras partes”, afirmou o governante. Paris e o governo trabalhista de Albanese acabaram por chegar a acordo em junho de 2022, com a Austrália a pagar 555 milhões de euros ao Naval Group como compensação pelo cancelamento do contrato.

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