Biden avisa Israel com todas as letras: "Não vamos fornecer mais armas" - TVI

Biden avisa Israel com todas as letras: "Não vamos fornecer mais armas"

  • CNN
  • Kevin Liptak
  • 9 mai, 10:18

Anúncio do presidente norte-americano de que está disposto a condicionar o armamento americano às ações de Israel representa um ponto de viragem no conflito de sete meses entre Israel e o Hamas

O presidente Joe Biden disse pela primeira vez na quarta-feira que irá suspender algumas remessas de armas americanas para Israel - que reconheceu terem sido usadas para matar civis em Gaza - se o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenar uma grande invasão da cidade de Rafah.

“Foram mortos civis em Gaza como consequência dessas bombas e de outras formas de atacar centros populacionais”, afirmou Biden a Erin Burnett, da CNN, numa entrevista exclusiva no programa “Erin Burnett OutFront”, referindo-se às bombas de 900 quilos que suspendeu o transporte na semana passada.

“Deixei claro que, se entrarem em Rafah - ainda não entraram em Rafah - se entrarem em Rafah, não vou fornecer as armas que têm sido usadas historicamente para enfrentar Rafah, para enfrentar as cidades - que lidam com esse problema”, afirmou Biden.

O anúncio do presidente de que está disposto a condicionar o armamento americano às ações de Israel representa um ponto de viragem no conflito de sete meses entre Israel e o Hamas. E o facto de ter reconhecido que as bombas americanas tinham sido utilizadas para matar civis em Gaza foi um reconhecimento claro do papel dos Estados Unidos na guerra.

O presidente tem estado sob uma pressão extraordinária, incluindo de membros do próprio partido, para limitar os carregamentos de armas no meio de uma crise humanitária em Gaza.

Até agora, o presidente tinha resistido a esses apelos e apoiado fortemente os esforços de Israel para perseguir o Hamas. No entanto, a iminente invasão de Rafah, a cidade no sul de Gaza onde mais de um milhão de civis palestinianos se têm refugiado, parece ter mudado o critério do presidente.

Palestiniano observa o fumo a subir após os ataques israelitas na parte oriental de Rafah, a 7 de maio. Hatem Khaled/Reuters

“Não nos estamos a afastar da segurança de Israel. Estamos a afastar-nos da capacidade de Israel para travar uma guerra nessas áreas", afirmou Biden.

Biden disse ainda que, embora os EUA continuem a fornecer armas defensivas a Israel, incluindo para o sistema de defesa aérea Iron Dome, outras remessas serão interrompidas se uma grande invasão terrestre de Rafah começar.

“Vamos continuar a garantir que Israel está seguro em termos de Iron Dome e da sua capacidade de responder aos ataques que surgiram recentemente no Médio Oriente”, afirmou. “Mas é simplesmente errado. Não vamos fornecer as armas e munições de artilharia”.

De acordo com o Pentágono, os Estados Unidos já suspenderam um carregamento de “munições de grande capacidade de carga” devido às possíveis operações de Israel em Rafah sem um plano para os civis da região, embora a decisão final sobre esse carregamento ainda não tenha sido tomada. A administração afirmou que está a analisar a potencial venda ou transação de outras munições.

De acordo com uma fonte conhecedora do assunto, os funcionários israelitas manifestaram, em privado aos funcionários norte-americanos, uma “profunda frustração” com a pausa nos envios, bem como com as informações dos meios de comunicação social norte-americanos sobre a decisão.

Uma potencial fratura

O facto de Biden associar publicamente o envio de armas americanas à conduta de Israel pode aumentar o fosso entre o presidente e Netanyahu, com quem falou por telefone na segunda-feira. A conversa ocorreu no momento em que Israel ordenou a evacuação de dezenas de milhares de civis de Rafah e lançou ataques perto das zonas fronteiriças da cidade.

Biden disse que as ações de Israel em Rafah ainda não ultrapassaram a linha vermelha de entrar em zonas densamente povoadas, mesmo que as suas ações tenham causado tensões na região.

“Eles não entraram nos centros populacionais. O que fizeram foi mesmo na fronteira. E isso está a causar problemas, neste momento, com o Egipto, com quem trabalhei arduamente para garantir que temos uma relação e ajuda".

O presidente afirmou ter transmitido a Netanyahu e a outros líderes israelitas que o apoio americano às operações nos centros populacionais era limitado.

“Deixei claro para Bibi e para o gabinete de guerra: eles não vão ter o nosso apoio se de facto forem contra esses centros populacionais", declarou.

Mais tarde, Biden descreveu o aviso a Netanyahu sobre os riscos de ficar preso em Gaza, traçando paralelos com a experiência americana no Afeganistão e no Iraque.

“Eu disse a Bibi: 'Não cometas o mesmo erro que cometemos na América. Nós queríamos apanhar o Bin Laden. Vamos ajudar-vos a apanhar o Sinwar'", afirmou, referindo-se ao líder do Hamas em Gaza. “Fazia sentido apanhar o Bin Laden; não fazia sentido tentar unificar o Afeganistão. Na minha opinião, não fazia sentido pensar que no Iraque havia uma arma nuclear”.

O conflito no Médio Oriente tem consumido grande parte do tempo de Biden nos últimos meses, mesmo quando este trabalha para promover o seu desempenho interno junto dos eleitores americanos. O seu forte apoio a Israel gerou protestos e raiva, incluindo em campus universitários e em eventos, onde cartazes o rotularam de “Genocide Joe”.

Questionado sobre as manifestações, Biden afirmou na quarta-feira: “Sem dúvida, ouço a mensagem.”

Mas alertou para o perigo dos protestos que descambam em discursos de ódio ou antissemitismo.

“Existe um direito legítimo à liberdade de expressão e de protesto. Há um direito legítimo de o fazer, e eles têm o direito de o fazer", afirmou. “Mas não há um direito legítimo de usar discurso de ódio. Não há o direito legítimo de ameaçar os estudantes judeus. Não há o direito legítimo de bloquear o acesso das pessoas às aulas. Isso é contra a lei”.

Biden luta contra as perceções económicas

Biden discursou na quarta-feira em Racine, Wisconsin, onde acabou por promover novos investimentos económicos que poderão resultar em milhares de novos postos de trabalho.

Durante a entrevista à CNN, Biden procurou reformular as perceções sobre a economia americana, elogiando o forte crescimento do emprego e os esforços para combater a ganância das empresas, ao mesmo tempo que contestava as sondagens que mostravam que os eleitores ainda estavam pessimistas quanto ao rumo do país.

“Já demos a volta à situação”, declarou Biden, respondendo a uma pergunta sobre se, quando faltam menos de seis meses para o dia das eleições, não estava a ficar sem tempo para melhorar a sua posição entre os americanos no que se refere à forma como lidava com a economia.

Biden salientou as sondagens que mostram que muitos americanos vêem a sua própria situação económica de forma favorável, mesmo quando vêem a economia nacional de forma negativa.

“Os dados das sondagens têm estado sempre errados”, afirmou, questionando a eficácia das sondagens telefónicas.

E afirmou que o histórico de criação de emprego após a pandemia de Covid-19 era uma indicação tão clara como qualquer outra de que as condições tinham melhorado significativamente para os trabalhadores americanos.

“A ideia de que estamos numa situação em que as coisas estão tão más que as pessoas - quero dizer, criámos mais empregos. Estamos numa situação em que as pessoas têm acesso a empregos bem pagos", afirmou.

Joe Biden no Gateway Technical College em Sturtevant, Wisconsin, em 8 de maio de 2024 Mandel Ngan/AFP/Getty Images

Ainda assim, reconheceu que existem boas razões para os americanos se preocuparem, incluindo o custo dos bens e da habitação.

“A última vez que vi, a combinação da inflação, do custo da inflação, de todas essas coisas, é realmente preocupante para as pessoas, com razão”, sublinhou.

“É por isso que estou a trabalhar arduamente para baixar o custo dos alugueres e aumentar o número de casas disponíveis”, prosseguiu. “Permitam-me que diga o seguinte: quando iniciei esta administração, as pessoas diziam que a economia ia entrar em colapso. Temos a economia mais forte do mundo. Deixem-me repetir - do mundo”.

Biden passou grande parte do último ano a trabalhar para promover as conquistas económicas, incluindo novos investimentos possibilitados pela legislação sobre infraestruturas e indústria transformadora.

Isso inclui o Wisconsin, onde discursou na quarta-feira num local onde o seu antecessor Donald Trump promoveu um investimento da Foxconn, gigante da eletrónica com sede em Taiwan, que mais tarde fracassou.

“Ele nunca teve sucesso na criação de empregos e eu nunca falhei”, garantiu Biden na entrevista, acrescentando mais tarde: “Quando é que ele fez alguma coisa do que disse? Não estou a ser irónico. Pensem nisso”.

A caminho de novembro

Na entrevista, Biden manifestou pouca preocupação com as suas hipóteses de reeleição. Mas avisou que é pouco provável que Trump aceite os resultados das eleições se perder.

“Garanto-vos que não o fará”, declarou Biden, “o que é perigoso”.

Questionado sobre o conselho que o seu antigo chefe, o presidente Barack Obama, lhe deu nas suas conversas sobre a campanha, Biden disse que era simplesmente para “continuar a fazer o que estou a fazer”.

“Acho que me sinto bem com a trajetória da campanha”, frisou. “E sabem tão bem como eu que a maior parte das pessoas não se concentra e não se decide até ao outono. Há muita coisa a acontecer e veremos o que acontece”.

Mas as sondagens têm mostrado que os eleitores dão pouco crédito a Biden pelo seu historial económico.

Na sondagem mais recente da CNN, os índices de aprovação de Biden em relação à economia (34%) e à inflação (29%) continuam a ser fortemente negativos, uma vez que os eleitores afirmam que as preocupações económicas são mais importantes para eles na escolha de um candidato do que eram nas duas últimas disputas presidenciais.

Biden afirmou na quarta-feira que “nenhum presidente em campanha teve a mesma sorte que nós em termos de criação de emprego e de redução da inflação”.

“A inflação era de 9% quando assumi o cargo. 9%. Mas as pessoas têm o direito de estar preocupadas. As pessoas comuns”.

Na verdade, a inflação atingiu um pico de 9,1% em junho de 2022. Em janeiro de 2021, quando Biden tomou posse, era de 1,4%.

O presidente destacou os esforços para combater as taxas - inclusive em contas bancárias e cartões de crédito - que, segundo a Casa Branca, reduzirão as contas dos americanos.

“A ideia de que se devolve um cheque e se cobra uma taxa de 30 dólares por devolução do cheque? Mudei isso - não se pode cobrar mais de oito dólares por isso. Ou o cartão de crédito. O pagamento atrasado. 35 dólares. Quer dizer, há uma ganância empresarial que tem de ser combatida", declarou.

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