Ataque violento ao governo do Brasil esteve meses em preparação. Eis o que precisa de saber - TVI

Ataque violento ao governo do Brasil esteve meses em preparação. Eis o que precisa de saber

  • CNN
  • Rob Picheta*
  • 9 jan 2023, 18:04
Milhares de manifestantes furam bloqueio e invadem as sedes dos três poderes no Brasil (foto AP)

Bolsonaro estava fora do país, mas Lula não é o único a responsabilizá-lo

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O Brasil ainda cambaleava na segunda-feira, depois de centenas de apoiantes do antigo líder do país, Jair Bolsonaro, terem invadido as sedes do poder na capital, Brasília, destruindo gabinetes e gerando a condenação pelo governo e pela comunidade internacional.

As invasões aconteceram uma semana depois da tomada de posse de Lula da Silva, que regressou ao poder após um hiato de 12 anos, com uma vitória sobre Bolsonaro na segunda volta das eleições, a 30 de outubro.

O ataque teve semelhanças com a insurreição de 6 de Janeiro de 2021 no Capitólio dos Estados Unidos, em Washington DC, quando apoiantes do ex-presidente Donald Trump - um aliado próximo de Bolsonaro - invadiram o Congresso, tentando impedir a certificação da sua derrota eleitoral.

Eis o que precisa de saber sobre os acontecimentos em Brasília.

O que aconteceu?

Imagens de domingo mostraram multidões em Brasília a subir a rampa até ao edifício do Congresso, onde chegaram à Sala Verde, localizada no exterior da Câmara Baixa do Congresso, segundo afirmou à CNN Brasil o presidente interino do Senado, Veneziano Vital do Rêgo.

Outros estações de televisão mostraram bolsonaristas a entrar no Supremo Tribunal e no palácio presidencial, onde a CNN Brasil mostrou a chegada da polícia antimotim e da Polícia Federal.

O chão do edifício do Congresso foi inundado, depois de o sistema de aspersão ter sido ativado quando os manifestantes tentaram incendiar o tapete, de acordo com a CNN Brasil. Vídeos adicionais mostraram os manifestantes dentro do edifício a levarem presentes de delegações internacionais e a destruírem obras de arte.

Tela "As Mulatas" de Di Cavalcanti, avaliada em 1,4 milhões de euros, foi perfurada

No domingo à noite, várias horas após as invasões, os três edifícios já tinham sido evacuados, informou a CNN Brasil. Pelo menos 400 pessoas foram detidas, de acordo com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.

Os detidos “pagarão pelos crimes cometidos”, escreveu Rocha no Twitter, acrescentando que estavam “a trabalhar para identificar todos os que participaram nestes atos terroristas”.

Horas depois, contudo, Rocha foi suspenso do seu posto durante 90 dias pelo juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Alexandre de Moraes.

Quem são os manifestantes?

Vários apoiantes de fundo do ex-presidente Jair Bolsonaro têm deixado claro o seu ressentimento em relação a Lula, desde que este ganhou as eleições de outubro, ressentimentos esses que se intensificaram nas últimas semanas, culminando na tormenta de domingo contra as instituições democráticas do Brasil.

Impulsionados por alegações infundadas de fraude eleitoral, adeptos vestidos com as cores nacionais do Brasil, e a usar a camisa da seleção nacional de futebol - ambos tornaram-se motivos centrais das campanhas de Bolsonaro -, espalharam-se pelos principais edifícios governamentais, esmagando janelas e usando mobiliário para formar barricadas contra as forças de segurança.

Mas os acontecimentos de domingo não surgiram do nada.

Um dos manifestantes ajoelhado perante a Polícia Militar (8 de janeiro de 2023)

Os apoiantes de Bolsonaro tinham estado acampados na capital desde a sua derrota eleitoral. O ministro da Justiça, Flávio Dino, tinha autorizado as forças policiais a montarem barreiras e a guardar o edifício do Congresso no sábado, dada a presença contínua dos acampados.

Os apoiantes de Bolsonaro já tinham antes entrado em confronto com as forças de segurança em Brasília, a 12 de dezembro, depois de um grupo ter tentado entrar na sede da Polícia Federal, de acordo com uma declaração das autoridades na altura.

Vários campos ocupados por apoiantes do ex-presidente instalaram-se também em frente de quartéis militares, com alguns a apelarem a um golpe de Estado das Forças Armadas, o que faz recordar o regime militar de duas décadas que governou o Brasil a partir de 1964.

Segundo escreveu Dino no Twitter no dia de Natal, esses campos tinham-se tornado “incubadoras de terroristas”, depois de um homem ter sido preso por tentar detonar uma bomba em protesto contra os resultados eleitorais do Brasil.

Qual foi o papel de Bolsonaro no motim?

Nos meses que antecederam a derrota eleitoral, Bolsonaro semeou repetidamente dúvidas sobre a legitimidade do voto, sem citar qualquer prova para as suas várias alegações. O seu esforço para sugerir que qualquer perda seria resultado de fraude foi imediatamente comparado ao que fez o seu aliado Donald Trump, que usou táticas semelhantes durante as eleições presidenciais dos EUA em 2020.

Depois de perder por uma pequena margem na última volta, Bolsonaro intensificou essas queixas – e combateu para obter qualquer justificação por parte dos reguladores e instituições brasileiras.

O presidente do tribunal eleitoral brasileiro rejeitou na quarta-feira a petição de Bolsonaro para anular boletins de voto, chamando às alegações do presidente cessante, de que algumas máquinas de votação tinham funcionado mal, de serem “ridículas e ilícitas”. “Não há como contestar um resultado democraticamente divulgado com movimentos ilícitos, antidemocráticos, movimentos criminosos”, afirmou.

Num relatório publicado em novembro, o Ministério da Defesa do Brasil não encontrou provas de fraude ou inconsistência no processo eleitoral.

Bolsonaro recusou-se no entanto a admitir explicitamente a derrota, ao mesmo tempo que insistia que cumpriria a Constituição do Brasil na entrega do poder a Lula. Por fim, saiu do país na véspera da tomada de posse de Lula e tem permanecido na Florida desde então.

Bolsonaro denunciou as ações de domingo num tweet, equacionando a sua natureza histórica e tentando estabelecer comparações com ações anteriores da “esquerda”. O ex-líder disse que embora as manifestações pacíficas e legais fizessem parte da democracia, “depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”.

Mas apesar dos seus esforços para se demarcar do protesto de domingo, os especialistas dizem que a campanha de meses de Bolsonaro para semear dúvidas sobre as eleições lançou as bases e acabou por encorajar os seus apoiantes a lançar o protesto de domingo.

O 6 de Janeiro nos EUA inspirou o motim no Brasil?

Os acontecimentos de domingo levaram imediatamente a comparações com a invasão do edifício do Capitólio dos EUA por apoiantes de Trump, há quase dois anos.

Tal como nesse acontecimento, o motim seguiu-se a meses de comentários incendiários de Bolsonaro sobre a legitimidade das eleições no Brasil e da vitória eleitoral de Lula. Os dois ex-líderes usaram “manuais” estranhamente semelhantes antes, durante e depois das suas derrotas eleitorais, levando a preocupações em cada país sobre a robustez dos seus processos eleitorais e instituições democráticas.

Bolsonaro queixava-se de supostas “notícias falsas” sobre a sua presidência, insistia que as sondagens que mostravam o apoio a Lula eram manipuladas ou não fidedignas, e alegava que as máquinas de votação utilizadas não eram adequadas – e tudo isto foi também defendido por Trump.

Enquanto Trump falou diretamente aos seus apoiantes horas antes da insurreição de Washington DC, e depois permaneceu na sua residência enquanto ela decorria, Bolsonaro não estava fisicamente no Brasil durante o motim de domingo.

Manifestantes pró-Bolsonaro no exterior do centro do poder em Brasília (8 de janeiro de 2023)

Em ambos os casos, os tumultos suscitaram condenação global e não tiveram impacto nos resultados das eleições - em Brasília, Lula já tinha tomado posse e não havia processo e curso que os manifestantes pudessem perturbar.

“Condeno o ataque à democracia e à transferência pacífica do poder no Brasil”, escreveu o presidente dos EUA, Joe Biden, no Twitter. “As instituições democráticas do Brasil têm o nosso total apoio e a vontade do povo brasileiro não deve ser minada.”

O que acontece a seguir?

Numa conferência de imprensa, Lula da Silva descreveu os acontecimentos na capital Brasília como “barbárie” e disse que as falhas de segurança tinha permitido aos apoiantes “fascistas” de Bolsonaro romperem as barreiras criadas pela polícia militar no exterior do edifício do Congresso, do Supremo Tribunal e do Palácio Presidencial do Planalto.

Lula acrescentou que todas as pessoas que participaram no motim serão encontradas e punidas.

As chefias dos militares, da polícia e do ministro da defesa seriam responsabilizados pelo tribunal se os acampamentos não fossem desmantelados esta segunda-feira, afirmou o juiz do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes.

A Procuradoria-Geral do Brasil (MPF) disse que estava a investigar todos os envolvidos nas invasões. “O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, acompanha e segue com preocupação os atos de vandalismo a edifícios públicos que ocorrem em Brasília este domingo (8)”, afirmou o MPF em comunicado. Aras também solicitou à Procuradoria-Geral da República no Distrito Federal a abertura imediata de um processo de investigação criminal com o objectivo de responsabilizar os envolvidos.

*Flora Charner, Marcia Reverdosa, Rodrigo Pedroso, Dakin Andone, Alaa Elassar e Heather Chen, todos da CNN, contribuíram para este artigo.

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