A necessidade de comprar e matar 63 animais machos foi um dos argumentos utilizados por dois videntes para consumarem uma burla milionária a uma mulher de Barcelos, segundo disse esta sexta-feira a vítima no Tribunal de Braga.
“Diziam que tinham de matar 63 animais, porque era essa a idade que eu tinha na altura. Não sei se eram bois, se eram cavalos, só sei que eles diziam que tinham de ser machos e que tinham de os matar na terra deles”, referiu.
Para isso, eram necessários alguns milhares de euros, que a vítima tratou de disponibilizar aos videntes, para que todo o ritual desse certo.
A história começou em 2017 ou 2018, quando Maria, uma pessoa “frágil e vulnerável a nível psicológico” e “profundamente religiosa e ingénua”, conheceu os arguidos e passou a recorrer aos seus serviços de astrologia.
Nessas circunstâncias, Maria comunicou aos arguidos que em 2012 tinha jogado no Euromilhões em França, juntamente com outras pessoas, e que acreditava ter ganhado um prémio no valor de 30 milhões de euros, sem que alguma vez tivesse reclamado a sua parte do mesmo.
Os arguidos logo se prontificaram a ajudá-la, dizendo que, com a “invocação de espíritos”, conseguiriam não só que ela recebesse o prémio, mas também multiplicar dinheiro.
Para isso, teriam de fazer “puxadas de dinheiro”, uma “empreitada” só possível se Maria fosse ajudando com a disponibilização de sucessivas quantias.
Num baú da casa de Maria, os videntes diziam que tinham depositado uns milhares de euros, que em pouco tempo já se teriam multiplicado para mais de 31 milhões.
A multiplicação, alegariam, iria continuar a registar-se, à medida que a vítima fosse disponibilizando novas quantias de dinheiro e, assim, “colaborando” com o ritual dos videntes.
“Diziam que dinheiro puxa dinheiro”, referiu a vítima.
O ritual incluiria ainda o abate de tantos animais quantos os anos da vítima e a aquisição de líquido para purificar o dinheiro, tarefas que, naturalmente, careciam de dinheiro e que cabia à vítima financiar,
No total, e segundo a acusação do Ministério Público, os dois videntes conseguiram sacar 339.500 euros.
Com as alcunhas Madi e Nadi, um da Guiné-Bissau e o outro da Guiné-Conacri, os arguidos estão a ser julgados pela prática de dois crimes de burla qualificada.
Maria levantou das suas contas bancárias 102.500 euros e entregou-os aos videntes, mas estes disseram que era preciso mais e aconselharam-na a pedir dinheiro a pessoas das suas relações.
Conselho acatado, Maria foi então pedindo as verbas solicitadas, até que um amigo cometeu o “pecado capital” de lhe entregar 20 mil euros em fotocópias de notas de 500, que seriam entregues aos arguidos.
Nessa altura, o amigo de Maria foi notificado de que os “espíritos ficaram furiosos” e que sobre ele e sua família impendia uma “maldição” que só poderia ser limpa com a entrega de 20 mil euros verdadeiros.
O homem acabou por entregar os 20 mil euros, mas recebeu uma má notícia dos arguidos: os espíritos não tinham acalmado e só com mais 50 mil euros é que o conseguiriam “safar”.
Mais tarde, os arguidos contactaram-no e disseram que tinham conseguido negociar com os espíritos, dando conta de que com 30 mil euros a “coisa” ficaria resolvida.
O homem entregou os 30 mil, mas nem mesmo assim teve descanso, já que posteriormente um dos arguidos lhe ligou a dizer que eram precisos mais 50 mil euros.
Com o copo cheio e os bolsos vazios (ficou sem 120 mil euros, pelo menos), o homem denunciou o caso às autoridades policiais, que detiveram os arguidos.
Hoje, em tribunal, num depoimento confuso, alterado e emotivo, Maria explicou que conseguiu os empréstimos porque ia prometendo compensações mais ou menos irrecusáveis quando recebesse o prémio do Euromilhões, engordado pelos suplementos conseguidos pelos arguidos.
Chegou a prometer, aqui e ali, dinheiro para “uma casita”.
Explicou ainda que bastava dar aos arguidos o nome dos eventuais emprestadores de dinheiro para que estes imediatamente se disponibilizassem a colaborar.
“Você dá o nome das pessoas e elas, com as nossas rezas, emprestam o dinheiro”, terão garantido os videntes.
Estes exigiam determinadas quantias mas, quando estas lhes eram entregues, nem sequer precisavam de contar para ver se estava certo.
“Diziam que lhes bastava botar a mão para saberem”, referiu a vítima.
O Ministério Público quer que os arguidos sejam condenados a pagar ao Estado 339.500 euros, o valor que conseguiram com a atividade criminosa que desenvolveram.
Os arguidos estão em prisão preventiva.