Os bairros sociais que temos são um barril de pólvora - TVI

Os bairros sociais que temos são um barril de pólvora

Opinião Nota Negativa

Estamos a construir favelas como no Brasil? Não sabemos que as multidões actuam baseadas num sentimento de impunidade?

Quando os bairros sociais saltam para as manchetes de jornal não é por boas razões. Ou é porque houve confrontos entre gangues ou porque o tráfico de droga é imenso ou porque as crianças foram deixadas em casa sozinhas e houve uma tragédia, ou por maus tratos a menores (recordo-me do caso Vanessa, no Bairro do Aleixo) ou por qualquer outra razão igualmente dramática.

Com pouco mais de um ano de profissão, fui acompanhar uma rusga policial num bairro social com fama de «muito complicado» e onde, devo dizer, nunca tinha entrado. Confesso que nunca tinha visto algo semelhante. Gente a fugir, a deitar coisas pelas janelas (altíssimas por sinal), muitas santas apreendidas, partidas e cheiinhas de sacos com pó branco, muitas mulheres a chorar e a jurar que ali era tudo gente de bem. À porta, bólides. Para o Estado, são todos desempregados, domésticas.

Os que trabalhavam, pois claro, não estavam no bairro àquela hora, ao início (a caminhar para meio) da manhã.

Quase 15 anos se passaram. Hoje conheço alguns destes bairros por dentro. Hoje fala-se muito mais de bairros sociais. Pelas piores razões. Até para dizer que fomentam a criminalidade. França já nos tinha mostrado isso. A realidade portuguesa também, mas ninguém quis ver.

Vou falar-vos do Aleixo. No coração do bairro existe um espaço verde lindo. Uma menina de sete anos que mora lá, mas não queria, só consegue ver «pessoas feias». À entrada do bairro, comercializa-se e consome-se a céu aberto. O edifício 1, quase totalmente abandonado (quem conseguiu foi para outro lado, quem não conseguiu nem sai de casa, nas escadas poderia encontrar de tudo), é um supermercado. Dá dó passar ali. Dá medo também.

As vistas de quem ali mora, rodeado de condomínios fechados de luxo, são as melhores: o Rio Douro. Que hoje em dia morar ao pé do rio já não é sinal de pobreza, é para quem pode. Mas no Aleixo existe também um factor de afectividade que move os moradores. «Sempre vivi aqui... agora para onde vou?...»

Não vale a pena escamotear a verdade: o rótulo existe. Quando se procura emprego, é melhor indicar o nome da rua e a freguesia, nunca o bairro; quando se apanha um táxi para lá olham-nos como se fossemos criminosos.

Os bairros puxam as pessoas para baixo, é preciso ter força e perceber que há outro mundo fora dos bairros, perceber que têm uma casa ali, mas vivem num mundo onde é possível estudar mais, crescer mais, querer mais, ser mais.

Escolas nos bairros, centros de saúde nos bairros, cafés, supermercados... tudo em bairros onde vivem centenas, onde quem não trabalha vive tão bem ou melhor do que quem trabalha. Onde muitos vagueiam sem ter o que fazer, alicercados em rendimentos de inserção social e muitos subsídios para os muitos filhos. Onde os mais velhos iniciam os mais novos no pior. Onde os vícios se alimentam por ver o outro fazer e porque não há nada para fazer e estudar é uma seca. Os bairros são barris de pólvora.

Estamos a construir favelas como no Brasil? Não sabemos já que os fenómenos sociológicos de actividade grupal têm consequências associadas a um sentimento de impunidade?

Não é uma sondagem, mas é urgente questionar: quem falhou? quem fez (ou não fez) o planeamento urbanístico? o sistema policial/judicial/político/social que permite que quem ande aos tiros à noite esteja solto à tarde?, que quem tem carros de alta cilindrada receba subsídio de inserção?, ou que se consuma e trafica a céu aberto?
Continue a ler esta notícia