Cinco meses depois de ter anunciado a saída do Conselho de Administração da TAP, Diogo Lacerda Machado, um dos detidos e suspeitos principais da operação que derrubou o primeiro-ministro, recebia uma nova oportunidade. Em setembro de 2020, este arguido, a quem por várias vezes António Costa tratou por “melhor amigo”, assinava um acordo com uma empresa britânica, a Pioneer Point Partners.
A Pioneer Point Partners era uma das grandes investidoras da Start Campus, detida pelo também arguido Afonso Salema e para quem trabalhava Rui Oliveira Neves, e no Data Center de 3,5 milhões de euros previsto para Sines. Estes dois homens, um empresário e um advogado, viriam também a ser detidos no decurso da operação Influencer.
O contrato viria a ser assinado no dia 30/09/2020 para serviços de consultoria entre Diogo Lacerda Machado e a Pioneer Point Partners e tinha o valor de 3.500 euros mensais por seis horas de trabalho semanais. Entre os objetivos destes serviços, constava “apresentar e representar o investidor e os projetos junto das partes portuguesas relevantes, incluindo empresas, reguladores e outros funcionários públicos relevantes”, e “avaliar os riscos regulatórios e políticos em Portugal”.
Embora a data específica em que o contrato foi assinado tenha sido detetada pelo Ministério Público, houve uma outra “não concretamente apurada, mas anterior a outubro de 2020”, em que alguém ainda não identificado pelo MP mas que trabalhava segundo orientações da Pionneer Point Partners acordou com Lacerda Machado que este “aproveitando-se da sua relação de amizade próxima com o Primeiro-Ministro” e da relação “de proximidade que mantinha” com Vítor Escária, chefe de gabinete de Costa, iria estabelecer “contactos e exercer influência e pressão sobre membros do Governo, titulares de órgãos de autarquias locais e de outras entidades públicas”.
Terá sido nesta data que o MP ainda não apurou, que ficou acordado que Lacerda Machado iria “determinar o sentido de atos” de membros do Governo e de autarquias “ou pelo menos fazer com que os atos fossem praticados de forma mais célere, tudo em benefício” do projeto da criação do Data Center da Start Campus, em Sines.
Menos de um ano mais tarde, Lacerda Machado, no mesmo mês em que começou a construção do primeiro edifício deste megacentro de dados em Sines, recebeu um novo incentivo. No dia 28 de abril de 2021, aceitou e assinou uma "Carta de Atribuição de Ações", como reconhecimento do “antecipado impacto positivo que irá ter em torno do sucesso futuro” da Start Campus.
Além dos 3.500 euros mensais por seis horas de trabalho semanais, os pagamentos a Lacerda Machado aumentaram, a partir de fevereiro de 2022. “Consistiram pelo menos no pagamento de uma quantia mensal líquida de 6.533,32 euros – que ascende atualmente a um total de 143.733,04 euros, acrescido de IRS retido na fonte”, indica o Ministério Público.
Este valor, com base em faturas emitidas à Start Campus, foi declarado junto da Autoridade Tributária como rendimentos de “decorrentes da atividade com o código “6010 Advogados”.
Contudo, indicam os procuradores do Ministério Público, durante o período em investigação, o “arguido não prestou quaisquer serviços de advocacia para a Start Campus, nem praticou em seu benefício quaisquer atos próprios de advogado”.
Em “abstrato”, explica João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, este facto “poderá constituir um crime de fraude fiscal, claramente”.
Massano adianta que, “só as atividades de advocacia podem constar no código 6010”, sendo que se alguém estiver a exercer uma atividade proibida por lei, como Lobbying, e colocar-se como tendo atividade de advocacia para “disfarçar uma ilicitude” isso é “claramente punível, com pena de prisão até 3 anos”.
Lacerda Machado é advogado - foi durante o curso que conheceu e travou amizade com António Costa - e tem domicílio profissional na sede do escritório de advocacia BAS, mas como consta dos autos do processo “não aparenta prestar quaisquer serviços” para aquela sociedade. E, durante este período, a Start Campus já se encontrava a ser assessorada por dois escritórios de advogados: a PLMJ, desde abril de 2021, à qual foram pagos honorários no valor médio mensal de cerca de 50.000,00 euros e a Morais Leitão, sociedade para quem o arguido Rui Oliveira Neves trabalhava, e que recebeu em média 17.900,00 euros por mês.
“Vou com o Diogo Lacerda Machado para pôr o medo de Deus em cima dele”
Quem contratou Diogo Lacerda Machado, aponta o Ministério Público, sabia que ele “poderia influenciar positiva ou negativamente a imagem dos referidos decisores junto do primeiro-ministro, consoante a sua atuação fosse ou não favorável aos interesses da Start Campus”.
Aliás, este foi um retrato constante nas escutas realizadas tanto a Afonso Salema, que se demitiu esta sexta-feira da liderança da Start Campus, como a Rui Oliveira Neves, atual sócio da Morais Leitão.
“O Diogo cria stress, porque sabe que depois o Diogo vai falar com o PM”, disse Rui Oliveira Neves após uma reunião com Vítor Escária sem a presença de Lacerda Machado, em setembro de 2023. “Eu falo com o Diogo para promover a conversa com o PM”, disse Afonso Salema sobre a possibilidade de abordar diretamente o primeiro-ministro. “Afonso, deixe-me gerir isto com o Escária e depois com o António”, disse Lacerda Machado após a proposta dos outros dois suspeitos. “Vou com o Diogo Lacerda Machado para pôr o medo de Deus em cima dele porque a atitude dele não pode ser”, sublinhou Afonso Salema antes de uma reunião com o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenha - também detido no âmbito deste processo.