A pandemia trouxe uma forma atípica de teletrabalho, com as famílias todas em casa e, muitas vezes, com filhos, o que tem dificultado a atividade laboral. Para as empresas foi uma descoberta sobre as possibilidades que se abrem de redução de custos. Mas quem paga o quê e como se fiscalizam as atividades sem quebrar direitos fundamentais, como o de privacidade, são temas que carecem de cuidados.
João Santos, especialista em direito de trabalho, esteve na Economia 24, para fazer a sua leitura da legislação em vigor.
É possível trabalhar, para sempre, em casa, se essa for a opção da empresa?
Sim, se houver acordo com o trabalhador. O teletrabalho pode ser estabelecido logo de início, na contratação. Ou a meio do percurso como foi agora, embora à força [por questões da Covid-19].
Há uma duração limite?
Não. Se já houver uma vinculação àquele empregador quando o trabalhador passa a teletrabalho, o acordo tem de ser estabelecido por um máximo de três anos e depois pode ser prorrogado. Mas pode começar logo o contrato em teletrabalho.
A regra é igual seja qual for a relação laboral?
Sim.
O trabalhador pode alegar, com algum motivo, que não quer este tipo de trabalho?
Pode, mas tem de haver um acordo entre trabalhador e a entidade empregadora. Este tempo em que o teletrabalho foi usado de forma mais massiva, porque ele já existe no Código do Trabalho há muito tempo, mostrou algumas fragilidades do sistema no que toca ao respeito pela privacidade e pelos horários de trabalho [se é verdade que o empregador pode não saber se o trabalhador está a trabalhar, também é verdade que muitos trabalhadores se queixam de trabalharem muito mais]. Além da questão do isolamento dos trabalhadores e dos seus impactos no exercício de direitos coletivos. É evidente que este teletrabalho também foi atípico. Não é o regime normal, porque não houve tempo para chegar a acordo com o empregador sobre quem pagava a internet ou sobre que computadores usar. E no teletrabalho normal não temos o conjugue e os filhos enfiados em casa ao mesmo tempo.
A empresa tem de pagar a internet, computador e luz?
Deve pagar. Mas numa situação normal de teletrabalho fica logo regulado quem paga ou quê e quem é que compensa quem pela utilização dos instrumentos de trabalho. O teletrabalho que vivemos não serve de exemplo.
Se este for um modelo de futuro, todas estas questões têm de ficar definidas entre trabalhador e empresa?
Sim.
Falta legislação em Portugal ou é só cumprir a existente?
A legislação que existe não prejudicou a aplicação do teletrabalho. Eventualmente haverá coisas a clarificar. O caso mais típico foi o do subsídio de alimentação.
O trabalhador terá direito a subsídio de alimentação?
Para o lay-off simplificado, com redução, o Governo acabou por entender que o subsídio deveria ser pago. Mas a verdade é que na génese de um regime normal de teletabalho o subsídio de alimentação nem sequer é devido porque visa pagar um custo acrescido de alguém que tem de tomar uma refeição fora de casa. Se a pessoa ficar em casa, por regra, esse custo não existe e por isso que, por regra, as pessoas não recebem. Não está estipulado na lei.
O trabalhador tem direito ao seguro de acidentes de trabalho?
O princípio geral que é estabelecido no Código do Trabalho é de que o trabalhador em teletrabalho tem os mesmos direitos, ou uma situação equivalente à que teria se estivesse na empresa. Isso reflete-se no seguro de acidentes de trabalho, nos direitos coletivos dos trabalhadores e nos direitos de formação profissional. São três exemplos em que quem está, ou não, em casa tem os mesmos direitos.