Emigrei para o Brasil: «O Rio é a minha cidade, sem ser a minha casa» (III) - TVI

Emigrei para o Brasil: «O Rio é a minha cidade, sem ser a minha casa» (III)

Patrícia Cardoso, 25 anos, emigrou para o Brasil em fevereiro de 2012

A resposta à pergunta «Achas que posso ir para o Rio?» demora menos de um segundo. «Vem. Mas vem preparado para o que vais encontrar». O testemunho de Patrícia Cardoso, 25 anos

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Deixei, inconscientemente a questão da segurança para o fim. Não quero, com isto dizer, que não é importante. É muito importante. Assim que cheguei no Rio fui passear para conhecer um pouco. Assisti a um assalto. Um menino pegou a bolsa de uma senhora e saiu correndo. No centro, ao meio-dia. Se fiquei com mais medo? Nem por isso, tendo em conta que a informação que vinculam todos os dias, na televisão, é maioritariamente, crime, assalto ou sequestro. Há que ter consciência que existe. Está aqui. Não acabou, com a história da pacificação.

Se mudou alguma coisa? Mudou. Mas ainda acontecem casos como o da semana passada (caso de sequestro e estupro de dois turistas, numa van), para nos chocarem e abalarem a nossa confiança. Se andar de van é absolutamente normal? Completamente. Daí o choque. Poderia ter sido eu, que na noite anterior, peguei uma van, de madrugada, para voltar para casa. Estou aqui há um ano, sou mulher e nunca me aconteceu nada. Saio à noite, pego táxi de madrugada, vou ao baile charme de Madureira, na zona norte. Há que ter cuidado mas não viver apavorado. Ir a uma festa na favela tornou-se uma coisa «legal», até «cool», principalmente em favelas como o Vidigal ou Rocinha. A pacificação e a invasão de estrangeiros curiosos está permitindo esta transformação.

Mas a divisão social é uma questão ainda complicada. O Leblon, esse bairro tão tradicional e rico fica ao lado do Vidigal. Sim, do lado. De longe, para que quase tocam, mas só é necessário fazer uma curva. Quantas pessoas do Leblon foram ao Vidigal? A resposta não é animadora. Existe esta separação muito presente ainda, fruto dos anos de insegurança que eu não conheci. Costuma dizer-se que o Carioca é desconfiado. É, sim. As piadas sobre portugueses sucedem-se a um ritmo mais ou menos irritante. Somos os alentejanos dos brasileiros. Pouco sabem sobre a nossa história, passada ou recente. O sotaque não é entendido, muitos nunca ouviram um português. «Você é do Sul?». Não se atribuem culpas, somos irmãos de pais muito diferentes. Muitas coisas vão causar transtorno, outras irão surpreender pela positiva.

Mas, mesmo depois deste tempo todo, ainda me deslumbro muito facilmente com uma nuvem que tapa o Pão-de-Açúcar. A questão não é a adaptação. Isso é o mais fácil. A questão é saber se existe a persistência e a coragem para lutar por um lugar onde tantos outros são exatamente como tu, «um português no Rio de Janeiro». Se estavas a romantizar a experiência, espero ter relativizado a tua opinião. Vais sentir muitas saudades de casa, mas sai e bebe uma cerveja. Ou anda de bicicleta pela Lagoa. Não que importe muito, mas meu nome é Patrícia, tenho 25 anos, trabalho numa produtora de cinema, e o Rio é a minha cidade, sem ser a minha casa.
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