Foi o desemprego que levou Vanessa Rola ao alojamento local. “O sonho de me dedicar a uma coisa deste género já o tinha há muitos anos”. Em 2016, deu o primeiro passo. Tinha já três apartamentos na zona da Graça, em Lisboa, quando a pandemia lhe tirou o som dos turistas a bater à porta.
“Fiquei sem rendimento de um dia para o outro. Ainda tentei os alojamentos em reservas de média e longa duração. Mas não era viável continuar assim. Tive péssimas experiências com as pessoas que lá estavam”, conta a empresária de 41 anos.
Estragos e problemas na hora de receber fizeram-na optar pelo ponto final em junho deste ano. “Não era possível voltar a fazer o esforço de aguentar até à primavera do ano que vem. Esgotei todos os balões de oxigénio possíveis e imaginários”. As poupanças que havia esgotaram-se. Os apoios não foram suficientes. Vanessa Rola devolveu as casas que explorava aos proprietários. E voltou para a carreira antiga, como “copywriter”.
A história de Vanessa Rola integra a lista dos 4.936 pedidos de cessação de atividade que o setor do alojamento local protagonizou desde o início da pandemia, em março do ano passado, até outubro de 2021. Mas, mesmo num contexto de dificuldades, os números mostram uma realidade diferente: por cada fecho, surgiram dois novos registos. Foram 11.752, segundo os dados do Turismo de Portugal cedidos à CNN Portugal.
Lisboa, a única com mais fechos do que aberturas
O caso de Vanessa Rola ajuda a comprovar uma outra realidade: o alojamento local de Lisboa, muito dependente dos turistas estrangeiros, foi o que mais sofreu com a pandemia. O distrito é o único a nível continental, no período analisado, a ter um número maior de fechos do que de novos registos: 1.397 contra 1.349.
Trata-se de uma diferença mínima, mas a comparação com o destino mais semelhante, o Porto, ajuda a mostrar como a pandemia abanou com mais força a dinâmica da capital e seus arredores: o distrito do Porto teve mais novos registos (1673) e menos cessações de atividade (964).
“Há uma diferença enorme se olharmos apenas para a cidade de Lisboa. Fizemos o acompanhamento das plataformas [de reserva] e, durante todo o período da pandemia, tivemos mais de 2100 anúncios que desapareceram”, explica Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP).
Na prática, aqueles que deixaram de promover “online” os seus espaços são mais do que os empresários que deram baixa dos seus negócios no registo nacional do setor. “É o problema das zonas de contenção: as pessoas não querem perder o registo. Muitas vezes, o que fazem é não dar baixa”, explica.
A este balanço, diz a ALEP, há a juntar outros 1500 “registos fantasmas, que nunca foram ativados”. A maioria foi feita na véspera de novas barreiras ao negócio nas zonas históricas da cidade de Lisboa. Numa altura em que a oposição quer travar novos alojamentos locais na capital, a associação pede à autarquia um “levantamento a sério”.
“É preciso um trabalho de limpeza de base de dados, antes de tomar qualquer tipo de postura. A Câmara de Lisboa tem um outro recurso que não utiliza, que são os dados da taxa turística”, diz Eduardo Miranda. O setor sente-se usado no meio de uma “guerra política” e, por isso, diz-se disposto a ajudar em todo e qualquer levantamento que ajude a fazer o (verdadeiro) retrato do setor e a tomar decisões.
A descoberta do interior e dos nómadas digitais
Em 20 meses de pandemia, os indicadores foram-se mantendo relativamente estáveis ao longo do tempo. Em apenas dois meses – abril de 2020 e janeiro de 2021 – houve mais registos de fechos do que de aberturas, segundo os dados do Turismo de Portugal. Importa explicar que estes meses correspondem aos períodos mais críticos da covid-19 em Portugal, com o país em confinamento.
Confinamento, isolamento ou teletrabalho foram, precisamente, três das palavras que passaram a fazer parte do dia a dia de todos. Também do alojamento local. Prova disso são os números dos novos registos em distritos do interior do país. Os dados mostram que, por cada fecho, houve 20 a 40 vezes mais aberturas em Bragança, Guarda, Portalegre ou Vila Real.
“É a prova de que, durante o período da covid-19, o interior foi um mercado com um saldo positivo. Não só porque o alojamento local se encaixa com a ideia de uma casa própria, isolada. Foi também por as pessoas não estarem a viajar para o estrangeiro- Cresceu o turismo nacional. Muitos descobriram cá coisas espetaculares”, reforça Eduardo Miranda.
Em qualquer ponto do país, seja litoral ou interior, os empresários viram despertar um novo segmento: os nómadas digitais. “Virei-me para os nómadas digitais, como tanta gente, com estadas mais longas. A procura é imensa. A rentabilidade é menor mas acaba por compensar. No inverno, para me defender, peço que me paguem a conta da energia á porta”, conta Elsa Bastos, que gere quatro apartamentos em Lisboa.
Na capital, o mercado dos estudantes e das pessoas que têm de fazer tratamentos mais prolongados em hospitais ajudou a compor o quadro.
Veja os números distrito a distrito
Cessados | Novos | |
Globais | 4.936 | 11.752 |
Aveiro | 83 | 310 |
Beja | 26 | 179 |
Braga | 90 | 430 |
Bragança | 3 | 123 |
Castelo Branco | 16 | 118 |
Coimbra | 71 | 300 |
Évora | 24 | 138 |
Faro | 1.547 | 4248 |
Guarda | 8 | 145 |
Leiria | 210 | 607 |
Lisboa | 1.397 | 1.349 |
Portalegre | 5 | 108 |
Porto | 964 | 1.673 |
Santarém | 28 | 164 |
Setúbal | 169 | 661 |
Viana do Castelo | 34 | 360 |
Vila Real | 5 | 118 |
Viseu | 21 | 166 |