«A cultura é perigosa e assusta o poder» - TVI

«A cultura é perigosa e assusta o poder»

António Lobo Antunes

Escritor António Lobo Antunes considera que os portugueses têm tido uma paciência «inexcedível» para suportar a actual situação

António Lobo Antunes fez este sábado um «acto de protesto» ao estado da cultura em Portugal, traduzido numa conversa com leitores, a propósito do seu último livro «Comissão de Lágrimas», refere a Lusa.

«Numa altura tão difícil e injusta, que os portugueses têm aguentado com uma paciência que eu considero inexcedível, em que vivemos num neofascismo capitalista, que afasta ainda mais as pessoas da cultura e dos livros, estar aqui hoje é, também, um acto de protesto», disse António Lobo Antunes, na livraria Pátio das Letras, em Faro.

Num registo informal, perante uma sala lotada, com perto de uma centena de pessoas, o escritor respondeu às várias questões colocadas pela assistência, falou do seu último livro e teceu críticas ao estado da cultura em Portugal, alertando para o excesso de lixo televisivo, a falta de programas culturais e a inexistência de bons livros.

«Tudo isto é altamente conveniente para o poder político, que, na realidade, é o poder económico, porque um povo culto não consente este tipo de existência que vivemos agora, e começa a exigir. Por isso, a cultura é perigosa e assusta o poder», concluiu o escritor.

A última obra de Lobo Antunes é um romance «denso e sombrio» sobre os acontecimentos ocorridos em Angola depois da independência, e parte «do delírio de uma pessoa», para falar sobre a culpa, a vingança e a inocência perdida, explicou o autor.

Apesar de ter combatido na guerra colonial, Lobo Antunes nunca esteve na «Comissão das Lágrimas», nome dado ao tribunal por onde passaram suspeitos de estar envolvidos no golpe de Estado de 1977, em Angola, por isso, o que fez foi «uma mentira para poder contar uma verdade», admitiu.

O livro é também uma homenagem «não a um país mas a um estado de alma», e a uma parte da vida do autor, em que perdeu camaradas, «e de onde ninguém regressa igual, porque ninguém desce vivo de uma cruz», afirmou Lobo Antunes.
Continue a ler esta notícia