Fátima e a maioria de esquerda - TVI

Fátima e a maioria de esquerda

    Jorge Oliveira
    Padre do Opus Dei nos Colégios Fomento e na Paróquia de Ramalde (Porto)
  • 21 mai, 16:37

Entrei no Google para procurar imagens de Maria, mãe de Jesus, para mostrar numa aula, no colégio onde trabalho. Coloquei no motor de busca Our lady holding a baby. Perdi-me nos resultados: umas mais modernas, outras mais clássicas. 

Encontrei também imagens de mães de todo o mundo com o filho ao colo. E como o Google tem uma enorme capacidade de nos dispersar, encontrei um interessante estudo publicado pela Scientific American, realizado pelo pedopsiquiatra americano Lee Salk. Este cientista procurou uma resposta para algo que lhe suscitara estranheza nas fotos de mães com um bebé ao colo: cerca de 80% seguravam-no encostado a si com o braço esquerdo, apenas 20% com o braço direito. Salk fez várias experiências em colaboração com hospitais americanos. 

Descobriu, por exemplo, que o facto de a mãe ser canhota ou destra era irrelevante para a forma como segurava no bebé: em ambos os casos a percentagem era a mesma, aproximadamente 80% com o braço esquerdo. Quando perguntava às mães canhotas porque seguravam o bebé do seu lado esquerdo, elas respondiam: “Sendo canhota, dá-me mais jeito segurar o bebé com o braço esquerdo”. Quando se perguntava às mães destras por que faziam o mesmo, respondiam: “Como sou destra, segurar o bebé com a mão esquerda deixa-me livre a mão direita, com a qual sou mais hábil”. Continuou o seu trabalho de investigação. Poderá estar relacionado com uma tendência para os seres humanos encostarem objetos pesados do lado esquerdo do corpo? De novo, a resposta foi negativa. Um estudo realizado à saída de vários supermercados comprovou que não havia disparidade entre o transporte de pesos à esquerda ou à direita do corpo.

O que é que existe do lado esquerdo do corpo humano que tenha, imediatamente após o nascimento, uma influência tão relevante para a adaptação do bebé à nova realidade de vida, bem como para a relação mãe-filho? A resposta, como para tantas coisas na vida, é a mais importante: o coração. Durante a gestação, o bebé está num ambiente quente, escuro, confortável, com todas as necessidades satisfeitas. O principal som que ouve, constante e numa cadência perfeita, é o bater rítmico do coração da mãe. Ao nascer, subitamente, é confrontado com uma multiplicidade de estímulos. Fora da sua zona de conforto, precisa de se sentir seguro. Ao ser colocado, assim que possível, no peito da mãe, ele volta a ouvir o pulsar ritmado do coração materno — o som que melhor conhece e associa a segurança — e acalma-se um pouco. E quanto mais perto do coração melhor, ou seja, do lado esquerdo do peito da mãe.

O cientista comprovou que o som do coração humano acalma significativamente os bebés. Uma mãe percebe, sem necessidade de estudos científicos, que o bebé se acalma mais rapidamente se estiver recostado sobre o seu lado esquerdo.

Associei este estudo a algo que me aconteceu recentemente em Roma. Perto da Piazza Navona encontrei uma família (pais e dois filhos adolescentes) da Coreia do Sul que me perguntaram se eu conhecia uma boa gelataria nas redondezas. Aconselhei uma gelataria que estava ali bem perto. Os simpáticos coreanos perguntaram-me sobre as minhas origens, e respondi, naturalmente, que era português. Diante desta resposta, muitas outras pessoas, nas mesmas circunstâncias, reagem instantaneamente e falam-me de Ronaldo, Amália, Mourinho, Siza Vieira. Mas, aqueles não. A expressão emocionada da senhora foi: “We were in Fatima yesterday, the most important journey of our lives”, “Estivemos em Fátima ontem, o dia mais importante das nossas vidas”.

Fiquei perplexo. A cidade de Roma é muito mais bonita que Fátima. Logo à partida os gelados romanos são mais famosos que os portugueses. Como é que Fátima pode ser a viagem dos sonhos de alguém que está no outro lado do mundo? Então e a Disneyland Paris, a Estátua da Liberdade ou o Guggenheim em Nova Iorque, a Casa da Ópera em Sidney ou a Acrópole de Atenas? 

Senti saudades de Fátima. Percorri interiormente esses 2500 km que me separavam do Santuário. Fátima é o lugar para estar mais perto do coração de Nossa Senhora. Encostados à mãe, muitos pedem um coração igual ao seu. Um coração puro que compreenda as pessoas, que não ponha etiquetas, que se predisponha a amar com sinceridade. Porque às vezes no trabalho, em casa ou no trânsito, nas conversas, falta-nos a inocência no olhar, ficamos presos nas aparências e no superficial. Nem sempre temos um coração capaz de compreender, de acolher.

Abrimos a Bíblia e vemos que a vida de Maria não foi fácil. O seu coração sofreu tantas vezes. Nem sempre compreendeu o que a vida lhe apresentava. Também nós, na vida, não podemos pretender compreender tudo e imediatamente.

Que nos pede ela em Fátima? Na aparição de 13 de julho, prometeu: Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará. Ela triunfa na nossa vida quando lhe damos espaço. E há um momento muito especial onde os nossos corações batem em uníssono: quando rezamos o terço, como ela pediu.

Estive em Fátima na procissão das velas na noite do passado 12 de maio, acompanhado de 250.000 pessoas. Cânticos, velas acesas, terços nas mãos enquanto devagar uma imagem branca atravessa a mancha escura da multidão. Há um nó na garganta. Um arrepio na pele. Não precisamos que Nossa Senhora desça de novo, nem de mais milagres ou segredos. Porque aquilo a que assisto é já um milagre.

Fátima é o lugar do esplendor, da simplicidade da fé. É o lugar onde Nossa Senhora foi exigente: pediu oração e sacrifício. É, como diz Vitorino Nemésio, o lugar onde a nossa humanidade passou a valer mais. O lugar da maioria de esquerda, onde nos acalmamos como as crianças, junto do coração de uma mãe. Voltar a Fátima é voltar às origens, é saber que não basta voltarmos exatamente ao que éramos antes: é preciso, com a ajuda dela, que nos tornemos melhores.

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