Católicos, aborto e excomunhão - TVI

Católicos, aborto e excomunhão

(Arquivo)

Pároco diz que Direito Canónico prevê exclusão automática de sacramentos - nomeadamente a eucaristia e o casamento - e de funeral religioso para quem abortar. Mas a lei da Igreja aponta várias excepções. Saiba quais

O pároco de Castelo de Vide, Tarcísio Alves, defende que «quem comete um aborto tem sobre si a excomunhão da Igreja e exclui-se da comunidade cristã automaticamente». Apoiando-se no Código de Direito Canónico (CDC), o presbítero diz que a prática da Interrupção Voluntária da Gravidez impede o acesso aos «sacramentos e ao funeral religioso». Porém, a consulta do mesmo código permite identificar diversos casos que prevêem a isenção da ilicitude e da culpabilidade, e, por isso, da excomunhão.

Para Tarcísio Alves, «quem provoca aborto incorre em excomunhão latae sententiae», tal como define o cânone 1389 do CDC. Ou seja, «quem cometeu aquele acto exclui-se automaticamente da comunhão da Igreja Católica», disse ao PortugalDiário.

Esta pena, segundo defende, afasta os católicos da participação da vida sacramental - em que se incluem a eucaristia e o casamento. «Se for notório e público, eu não posso dar a comunhão nem os sacramentos [a quem tenha abortado]». Se não for, a pessoa, «na sua consciência, não pode aproximar-se da comunhão», disse.

Além dos sacramentos, «a pessoa está excluída também do funeral religioso, porque este é sinal de que o cristão viveu em comunhão com a Igreja», disse, explicando que só o bispo pode levantar a excomunhão. «Se a pessoa me revelar [ter abortado] em confissão, eu tenho que recorrer ao meu bispo, dizendo que uma pessoa da minha paróquia, sem identificá-la, cometeu um aborto e, então, o bispo pode levantar essa pena», afirmou.

Para o padre Tarcísio Alves, que tem escrito sobre o tema no boletim paroquial - «amanhã vai sair um artigo sobre consequências canónicas do aborto» -, a defesa desta posição não se trata de um acto de «campanha», mas de «esclarecer» os católicos.



Apesar de ter vindo a alertar para o perigo de excomunhão, defendeu tolerar o aborto «nos casos previstos na lei portuguesa». «É uma questão de defesa da vida da mãe», referiu, sublinhando, porém, que «o aborto continua a ser um crime e deve continuar a ter uma pena». Defende, no entanto, que esta não deve ser «executada, «porque a lei natural já a castiga».



O pároco sublinhou ainda que este «referendo, como tal, não tem razão de ser», porque «a vida humana não é referendável». E deixou um alerta sobre a despenalização do aborto: «É liberalizar o direito de matar. Agora são as criancinhas, qualquer dia são os deficientes e depois serão os velhinhos».

Direito canónico prevê excepções

Apesar do cânone citado pelo padre Tarcísio Alves definir que o aborto afasta automaticamente quem o comete da comunhão eclesial. Uma consulta do Código de Direito Canónico permite encontrar outro cânone que estipula uma série de casos que tornam inimputável quem o cometa e, por isso, não sujeito à pena de excomunhão.

O cânone 1323 refere que fica excluído, «quer da ilicitude, quer da culpabilidade», «quem ainda não completou dezasseis anos de idade»; quem, «sem culpa, ignorava estar a violar uma lei ou um preceito»; quem agiu por violência física ou por caso fortuito, que não pôde prever»; «quem agiu forçado por medo grave, embora relativo, ou por necessidade, ou por grave incómodo».

Segundo explicou ao PortugalDiário o teólogo Jerónimo Trigo, professor de Teologia Moral na Universidade Católica, em Lisboa, o tema da excomunhão é muitas vezes «mal interpretado». «A pessoa fica privada parcialmente da comunhão externa, mas não da comunhão interna», explicou, referindo que não se trata de algo «tétrico», mas que se reveste de um aspecto «pedagógico», já que é a sinalização de algo que coloca em causa a comunhão eclesial.

A figura da excomunhão não tem como objectivo excluir, defendeu, mas antes chamar a atenção para uma transgressão e levar à conversão. O teólogo também realçou que é preciso «analisar quando é que alguém incorre na pena», referindo que esta só se aplica em casos «específicos» e que não «acontece sem mais», apontado os casos acima referidos, presentes no CDC.
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