Jogou 14 anos no FC Porto e trabalha no Leroy Merlin - TVI

Jogou 14 anos no FC Porto e trabalha no Leroy Merlin

Jorge Lopes foi das escolinhas dos dragões à equipa B, envergou a braçadeira de capitão durante uma década mas nunca chegou à equipa principal. Pela seleção, foi finalista vencido do Torneio de Toulon, em 2005. Após seis épocas em divisões inferiores, cansou-se do futebol profissional. Tinha apenas 27 anos.

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«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Jorge Lopes tem 35 anos e respira FC Porto. Afinal, passou uma boa parte da vida ao serviço do clube portista. Começou a sentir o pó do pelado do Campo da Constituição com sete anos e percorreu todos os escalões de formação até chegar à equipa B. Foram 14 anos ao serviço dos dragões, dez como capitão de equipa.

Finalista vencido do Torneio de Toulon em 2005, face a uma derrota frente à França (1-4), Jorge Lopes acumulou presenças nas seleções jovens de Portugal e garantiu estatuto de peso no FC Porto. Porém, não conseguiu garantir uma oportunidade na equipa principal. Com 21 anos, deixou de vestir a camisola azul e branca.

O lateral esquerdo representou FC Marco, AEK Larnaca (Chipre), Vianense, União da Madeira, Aliados de Lordelo, Moreirense, Praiense e Gondomar até se cansar do futebol profissional. Desiludido, desistiu do sonho em 2012, aos 27 anos, e apostou em outra via profissional. Ainda pisou os relvados como amador, no Grijó, mas a grande aposta de Jorge Lopes foi o Leroy Merlin, onde encontrou um desafio aliciante: a logística.

Esta é a sua história.

Maisfutebol – Jorge, quando é que decidiu terminar a carreira de jogador profissional?

Jorge Lopes – Foi em janeiro de 2012, por uma série de razões relacionadas com descontentamento e desilusão em relação ao futebol. Decidi abandonar a carreira profissional de jogador quando estava no Gondomar. Estive cerca de um ano parado, entretanto comecei a ajudar o meu irmão num restaurante de que ele era o responsável e mais tarde enviei o meu currículo para o Leroy Merlin. Comecei como repositor em part-time, através de uma empresa de trabalho temporário, mas dei o máximo, gostaram de mim e posteriormente passei para a área de reposição, já em full-time.

MF – Esse processo de transição para uma nova atividade profissional foi fácil?

JL - O futebol deu-me uma bagagem enorme, um espírito de sacrifício e de entrega, que é extremamente útil nesta nova área profissional. Entrei em junho de 2016, vou fazer quatro anos na empresa, nunca pensei trabalhar na área de bricolage mas tenho tido uma evolução salarial que me permite uma estabilidade que dificilmente teria no futebol. Aliás, o meu salário é mais alto do que em muitos clubes pode onde passei, com a vantagem de que aqui não falham pagamentos.

MF – Qual é a sua função atual na empresa?

JL- Atualmente, sou responsável logístico na loja de Guimarães. O Leroy Merlin tem atualmente plataformas logísticas que gerem todo o stock que entra em loja. Uma delas está localizada em Canelas, Vila Nova de Gaia, fazendo a distribuição para todas as lojas na zona norte. Foi onde eu comecei e entretanto vim para ajudar na abertura da loja em Guimarães. O meu objetivo é continuar a evoluir e chegar a outro patamar dentro da empresa.

MF – E não tem saudades do futebol?

JL - Claro que tenho. Se tivesse uma proposta do futebol profissional, de clubes com condições, profissionais, na área da observação ou em outras áreas, claro que me faria pensar. Foram muitos anos de futebol, 14 deles no FC Porto e desses, dez foram como capitão de equipa. Tenho pena do atual estado do futebol português e confesso que hoje em dia só vejo grandes competições, grandes jogos, seja uma Liga dos Campeões ou um Campeonato do Mundo de seleções. O futebol está-me no sangue e vai ficar para sempre.

MF – Recuando no tempo, quando é que deu os primeiros passos no futebol?

JL - Comecei a jogar futebol no pelado da Constituição, com 7 anos. Lembro-me que o mister André Villas-Boas começou no FC Porto na mesma altura em que eu estava na formação, falávamos muitas vezes. Depois ele foi chamado pelo Mourinho para a equipa principal e deixou de ir tanto à Constituição. Fiz todos os escalões, durante 14 anos. Fomos campeões distritais de infantis e campeões nacionais de iniciados e juvenis. Só não fomos de juniores porque num ano ficámos a um ponto e no ano seguinte perdemos por um golo. Nas seleções nacionais, fui internacional desde os sub-15 e disputei o Torneio de Toulon em 2005, em que chegámos à final mas infelizmente não conseguimos vencer a França.

MF – Sente que a sua geração foi bem aproveitada?

JL - Tenho de dizer, infelizmente, que o FC Porto foi uma máquina de destruir talentos. Não era só o FC Porto, atenção, aconteceu o mesmo com o Benfica, por exemplo, que até foi campeão de juniores. O Sporting, que não foi campeão nas camadas jovens, deu mais espaço a alguns jovens por mera necessidade, porque não tinha soluções. Entre esses jogadores esteve o Cristiano Ronaldo, claro, que era um caso à parte. Foi meu adversário e meu colega nas seleções nacionais. Quanto ao FC Porto, de todos os jogadores com quem joguei na formação, os únicos a jogarem pela equipa A penso que foram Ivanildo, Paulo Machado, Hélder Barbosa, Márcio Sousa e Vieirinha. Nenhum deles do meu ano.

MF – Nunca teve convites para representar outros clubes?

JL - Nunca saí do FC Porto na formação mas tive possibilidades para isso, sim. Com 15/16 anos, tive contactos de Aston Villa, Celta de Vigo e Celtic, mas eu era capitão do FC Porto e o FC Porto não era inferior a nenhum desses clubes. Ao longo desses anos também Sporting e Benfica perguntaram por mim, mas no FC Porto sentia-se muito o clube, havia mística, e eu em dez anos como capitão dei tudo por aquela braçadeira. Hoje em dia vê-se pouco dessa mística. Vê-se no Sérgio Conceição e em algumas pessoas da estrutura, pouco mais. Aquele gostar, aquele sentir, aquele morder a língua não se vê dentro de campo. O FC Porto não tem atualmente um jogador que mereça aquela braçadeira de capitão.

MF – Chegou a treinar com a equipa principal do FC Porto?

JL – Sim, no último ano treinava regularmente com o plantel principal e jogava pela equipa B. Quando ia lá, costumava lembrar, na brincadeira, que apenas o Vítor Baía tinha mais anos de FC Porto do que eu naquele grupo. Lamento não ter tido uma oportunidade, porque tenho a certeza que a teria agarrado.

MF – É nessa altura, em 2006, que sai do FC Porto. Porquê?

JL - Estava na equipa B do FC Porto e gerou-se ali uma situação de impasse. O clube decidiu acabar com a equipa B, pelo que se disse ainda tentou o Trofense como equipa-satélite mas essa hipótese caiu por terra. Eu estava em fim de contrato, o FC Porto emprestou outros jogadores e a mim, que tinha 14 anos de casa, deixou-me à minha sorte. Penso que merecia mais. Nessa altura, só eu e o Fábio Espinho, salvo erro, tínhamos percorrido todos os escalões do FC Porto, das escolinhas aos seniores.

MF – O que aconteceu depois?

JL - Vim embora e entregue à minha sorte, porque nunca tive empresário. Houve um que surgiu a propor-me o Racing de Santander mas entretanto isso não se concretizou. Depois, surgiu o Estoril, mas o FC Porto ainda tinha direitos de formação sobre mim e o José Veiga tinha influência no Estoril, portanto bloquearam isso. Acabei por ir para o FC Marco, para uma época marcada por problemas financeiros, já me que ficaram a dever seis meses de salário, até hoje. Mais tarde, em 2008, estive para ir para o Arouca, que era treinado pelo mister Zé Pedro e acabou por chegar à Liga. E também estive para assinar com o Desportivo de Chaves do Leonardo Jardim. Só que acabei por ir para o União da Madeira.

MF – Nunca chegou a jogar sequer na II Liga?

JL – Não. Fiz a carreira toda sem empresário e aí também foi culpa minha, porque com um teria provavelmente sido diferente. Ainda estive no Moreirense, que estava a disputar a II Liga, mas ao segundo treino que fiz parti a mão. Quando regressei, novo problema, um choque e um grande desvio no nariz. Tive de parar novamente e acabei por sair para o Praiense. Depois fui para o Gondomar e essa foi uma altura decisiva na carreira. O Gondomar por exemplo tinha grande equipa mas não queria subir. Essa falta de ambição, de objetivos, fez-me repensar.

MF – Foi nessa altura que pensou em desistir da carreira?

JL – Exato. O desalento tomou conta de mim e comecei a desligar, deixei de ter vontade de me sacrificar por um futebol sem objetivos. O treinador do Gondomar falou comigo, o presidente falou comigo mas nada a fazer. A cabeça tinha desistido. A meio dessa época, em janeiro de 2012, cansei-me do futebol profissional. Tinha acabado de fazer 27 anos.

MF – Parou em 2012 mas ainda jogou de 2015 a 2017 no Grijó, como amador. Porquê?

JL - Comecei a trabalhar e entretanto, em 2014, recebi um convite para voltar ao futebol, como treinador-adjunto do mister Zé Pedro no Grijó. Nos treinos, eu dava uma perninha e percebia-se que, mesmo com os gémeos amarrados e após dois anos de ausência, ainda podia ser útil. Tanto que em janeiro inscreveram-me e joguei até final da época. No ano seguinte fiz 40 e tal jogos, a jogar no meio-campo, e depois mais 40 e tal. Só que tive uma lesão no joelho e fez-me pensar. Não foi grave mas percebi que não fazia sentido arriscar, já estava a trabalhar no Leroy Merlin e não queria colocar em risco o trabalho por causa do futebol. Tinha chegado a altura de parar de vez e olhar em frente, sem deixar de ficar grato por tudo o que o futebol me deu.



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