A barragem de Nova Kakhovka, situada na região de Kherson, tem sido por estes dias alvo de acusações mútuas entre a Rússia e a Ucrânia. Se, por um lado, o presidente Zelensky acusa “terroristas russos” de minarem a barragem para a fazer explodir, o Kremlin garante que a Ucrânia está a preparar-se para a destruir com uma “bomba suja”, tendo como objetivo isolar as forças russas em Kherson.
Em declarações à CNN Portugal, o major-general Agostinho Costa defende que a destruição da barragem de Nova Kakhovka "a beneficiar alguém, é a Ucrânia", uma vez que tem como objetivo "isolar as forças russas" que estão em Kherson. Isto porque as tropas de Kiev sabem que esta região "é muito importante para os russos", uma vez que serve de "ponte" para cumprir o seu objetivo de “tomar Mykolaiv, seguir para Odessa e chegar à Transnístria” assim que chegarem os cerca de 300.000 reservistas destacados pelo Kremlin.
Com a "pressão do 8 de novembro" - dia das eleições para o Congresso norte-americano que podem ditar um novo speaker da Câmara dos Representantes e, assim, uma reviravolta na ajuda financeira dos Estados Unidos à Ucrânia -, o major-general Agostinho Costa acredita que as forças ucranianas vão fazer de tudo para "dar uma indicação política" de que estão a vencer - "o que não é verdade", vinca.
Por sua vez, Helena Ferro Gouveia, especialista em Relações Internacionais, considera que a Ucrânia não tem qualquer "interesse" em fazer explodir esta barragem, ao contrário da Rússia.
"A explosão desta barragem seria a continuação do modus operandi da Rússia", diz, lembrando a "escalada de ataques russos a infraestruturas energéticas e civis" da Ucrânia desde a explosão da ponte Kerch, que liga a Rússia à Crimeia.
A investigadora salienta as "proporções quase bíblicas" das consequências de uma explosão da barragem de Nova Kakhokva, admitindo mesmo ter "alguma dificuldade em crer" numa ordem militar nesse sentido. "Rebentar uma barragem com aquela dimensão provocaria uma massa de água colossal, da qual é muito difícil conseguir escapar", sustenta.
Uma "catástrofe ecológica" que abriria uma "caixa de pandora"
Zelensky alertou recentemente para essas mesmas consequências: "A barragem desta central hidroelétrica tem um volume de cerca de 18 milhões de metros cúbicos de água. Se terroristas russos fizerem explodir esta barragem, mais de 80 povoações, incluindo Kherson, estarão na zona de inundação rápida. Centenas de milhares de pessoas podem ser afetadas."
Além disso, o chefe de Estado ucraniano avisou que, se a barragem de Kakhovka for destruída, a central nuclear de Zaporizhzhia ocupada pelos russos ficará sem água para arrefecer os reatores.
A Rússia também já alertou para as consequências de um ataque destes, sobretudo para as regiões ocupadas. De acordo com o jornal pró-Kremlin Komsomolskaya Pravda, citado pela BBC, a explosão da barragem provocaria uma onda de cinco metros de altura que destruiria todas as aldeias ao lado do rio Dniepre a uma velocidade de 25 km/h. Num espaço de duas horas, a água atingiria a cidade de Kherson e inundaria vastas áreas durante, pelo menos, três dias.
O major-general Agostinho Costa explica que uma barragem desta dimensão "só se destrói com uma carga nuclear". "É uma estrutura e betão tão grande que uma mina ou um drone seria apenas uma picada de um mosquito", compara.
Ora, esta situação abre um precedente - ou uma "caixa de pandora", como o especialista a designa - para uma "retaliação russa". É neste contexto que a guerra pode entrar no "patamar nuclear", alerta o major-general, lembrando os recentes telefonemas do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, aos seus homólogos norte-americano, britânico, francês e turco.
"Se Shoigur ligou para os seus homólogos [por duas vezes num espaço de três dias] é porque tem provas [de que a Ucrânia vai lançar uma bomba suja], o que significa que podemos estar a um segundo do apocalipse. E Shoigur certamente não lhes foi pedir para interceder junto da Ucrânia - foi explicar o que [os russos] faziam a seguir", aponta o especialista, sugerindo que a resposta de Moscovo pode ser um "ataque a norte de Kiev", cidade que também tem uma barragem, o que pode fazer com que Kiev fique também "debaixo de água".
Perante o escalar da tensão entre as duas partes, as autoridades pró-russas na região de Kherson já começaram a libertar água da barragem de Nova Kakhovka para baixar o nível e, assim, minimizar o desastre que seria causado por uma rutura devido a um ataque à infraestrutura.
Os serviços de inteligência ucranianos, por sua vez, alegam que a Rússia explorou a barragem já em abril e está atualmente a minar os portões e suportes, em preparação para uma rápida reconquista da região sul pelas tropas de Kiev.