Para muitos alunos, a matemática sempre foi um “bicho de sete cabeças”. Por isso, a notícia de que o exame desta disciplina deixará de ser obrigatório para acabar o secundário nas áreas das ciências e da economia até deve ter sido recebida com alegria. Contudo, não é o fim deste exame: ele vai continuar a ser necessário para o acesso à universidade, nos cursos que o exigirem. Mas que impacto é que tem essa mudança no ensino desta disciplina?
“O impacto vai ser mínimo, até porque quem necessita do exame de matemática para entrar na faculdade vai fazer o exame. Há 400 cursos a exigirem matemática. O número vai continuar a ser sensivelmente o mesmo”, diz Joaquim Pinto, presidente da Associação de Professores de Matemática à CNN Portugal.
No entanto, há quem tenha uma visão diferente entre aqueles que se dedicam a esta disciplina. “Isso fará com que os alunos, no secundário, estudem menos matemática. A não ser que estejam a pensar ir para um curso em que esse exame é obrigatório. Não tendo o exame como barreira que é preciso ultrapassar, vão ficar pior preparados”, traça José Carlos Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática.
Pesa mais na universidade
O novo regime traz um peso diferente aos exames nacionais: passarão a ter um peso mais baixo, de 25%, na classificação final, num modelo em que o de Português é obrigatório, combinando com outros dois escolhidos pelos alunos.
Todavia, na hora de ingressar no ensino superior, esse peso dos exames aumenta: passam a ter um peso mínimo de 45%, quando hoje estava nos 35%. É isso mesmo que nota José Carlos Santos, considerando que esta distribuição “vai esbater um bocado a enorme disparidade que há nas notas” – uma visão em linha com a do Governo, que admite que há estabelecimentos a inflacionar resultados.
Joaquim Pinto avisa que o exame é “uma avaliação muito limitada”, cuja nota pode apenas ser o reflexo do contexto em que foi realizado: por exemplo, se um bom aluno estiver doente e realizar o exame por isso num “dia mau”, a nota poderá não refletir o esforço dos três anos, diz.
Uma matemática virada para a vida
Se a matemática sempre foi um drama para muitos alunos, como dar a volta a esse historial? Para os especialistas ouvidos pela CNN Portugal só há um caminho: aproximar esta disciplina da vida real – um esforço que, dizem, já está em marcha com a reformulação dos programas educativos.
“Esta mudança nos exames não vai tirar nenhuma importância à matemática. Vamos ter novas aprendizagens. O que precisamos é que a matemática leve os alunos a pensarem. Porque para fazerem contas e coisas repetitivas já temos as máquinas”, aponta o presidente da Associação de Professores de Matemática.
E dá exemplos de como isso pode acontecer: explicar como funciona um empréstimo bancário, como se calculam os juros, como se distribuem os lugares políticos após uma eleição. “Vamos ter cada vez mais alunos a gostar de matemática. Os alunos têm muitos estímulos nas suas vidas. Agora importa, em termos de matemática, dar o estímulo certo”, aponta Joaquim Pinto.
Já José Carlos Santos estranha que, no momento em que há essa tentativa de aproximação da matemática à vida real, o mesmo ministério da Educação retire a obrigatoriedade do exame, dando um sinal de que o Português é mais importante do que esta disciplina.
“O Português e a Matemática podem parecer desligar. Mas um problema que temos com alunos de matemática é o domínio da língua. Aparece-lhes um problema com duas ou três frases e não conseguem resolver. Lembro-me de uma colega que, perante um aluno que não conseguia perceber a pergunta no teste, se limitava a ler a pergunta. E os alunos diziam-lhe que já tinham percebido”, exemplifica o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática.
Falta de professores? Como se resolve?
Para a Associação de Professores de Matemática, o problema a que é preciso dar uma resposta mais imediata é outro: a falta de docentes. Mas, como se consegue conquistar jovens para a profissão, se lhes é difícil cultivar o gosto por esta disciplina enquanto são jovens?
Joaquim Pinto aponta que não é pelas mudanças no programa nem nos exames. “Precisamos é de uma valorização da carreira”. Caso contrário, avisa, vão tornar-se mais frequentes situações como esta: “Ligou-me uma mãe que é presidente da associação de pais no outro dia, desde meados do segundo período que o filho não tinha aulas de matemática”.
Tendências diferentes nas diferentes matemáticas
Os dados mais recentes mostram duas tendências diferentes nos exames de matemática. Na Matemática A, com 33.749 inscritos, a média desceu de 11,9 para 11 valores.
Já na Matemática B (3.315 alunos) e na Matemática Aplicada às Ciências Sociais (7.326 alunos) a média subiu este ano: para 11,3 valores na primeira e 12,1 valores na segunda, segundo dados do Ministério da Educação.
Críticas de Marcelo
Se a Associação de Professores de Matemática foi ouvida pelo ministério da Educação sobre estas mudanças no exame, o mesmo não aconteceu com a Sociedade Portuguesa de Matemática. “Achei estranho não termos sido consultados. Não temos poder político, mas seria natural que nos consultassem e dessem argumentos”, aponta José Carlos Santos.
Ao promulgar o novo regime de avaliação do ensino secundário, o Presidente da República lamentou a opção do Governo de reduzir o número de exames nacionais obrigatórios, lembrando que “permitirá a conclusão do ensino secundário nos cursos de ciências e tecnologia e ciências socioeconómicas sem a realização do exame nacional de matemática”.
Uma alteração que “não decorre da realização de estudo independente conhecido, nem de mais aprofundada discussão pública, nem sequer da consulta das associações nacionais de matemática”, apontou Marcelo Rebelo de Sousa.
As alterações vão aplicar-se aos alunos que iniciem o 10º ano em setembro.