O discurso de Volodymyr Zelensky chegou a Olesya Zaruma Biletska poucos minutos antes do início da sessão solene no Parlamento português. “Até agradeci. Tinha sido mais difícil se tivesse lido o texto antes. Porque, além do agradecimento a Portugal, a maior parte falava da tragédia e dos corpos encontrados nas cidades ucranianas”.
Foi a voz de Olesya que os deputados (e os restantes portugueses) ouviram quando o presidente ucraniano começou a falar. Ela concentrou-se no lado técnico da tarefa que lhe tinha sido confiada. “É um texto muito pesado. Graças a Deus, estava mais concentrada em transmitir a fala direta do que a pensar no que estava a ser dito”.
Olesya não teve dúvidas quando lhe ligaram da Embaixada da Ucrânia em Portugal a perguntar se estava disponível para traduzir o presidente do seu país natal. Se fazer uma tradução simultânea é sempre uma responsabilidade, fazê-lo com Zelensky, neste contexto, só tornava tudo mais exigente. “A responsabilidade é acrescida, três ou quatro vezes. Mas é também um motivo para dar o meu melhor. É uma grande honra”.
Olesya e Zelensky não tiveram qualquer contacto direto. Mas ele ouviu-a, quando o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, discursou. “Depois de tocarem os hinos, saiu logo da sessão”. Mas o gabinete em Kiev agradeceu à tradutora os serviços prestados.
As histórias que emocionam
Fazer uma tradução em simultâneo é sempre algo “stressante”. “A informação que vem tem de ser muito bem pensada. Nem sempre há palavras idênticas nas duas línguas”. É preciso pensar com rapidez, ainda por cima quando há tanta gente a ouvir.
Depois dessa meia hora de trabalho intenso, Olesya Zaruma Biletska ainda precisou de mais tempo para descomprimir, para perceber o verdadeiro impacto do que tinha acabado de dizer. “Segurei-me no discurso. Só chorei no final da sessão”.
O que mais a emocionou foram as histórias de civis inocentes apanhados pela guerra. Histórias que, mesmo entrando todos os dias pelos ecrãs, continuam a mexer com aquilo que nos torna humanos: a empatia. “São histórias de civis que nada têm a ver com a guerra. E a forma como têm sofrido, como são raptados, deportados, violados, mortos. E tudo isso sem qualquer sentimento ou justificação. Apenas prazer”.
Apesar de ter sido a voz de Zelensky em Portugal, Olesya fica espantada por haver quem queira conhecer a sua história. “A sessão contou com o desempenho de muita gente. O meu contributo foi mínimo. Foram todos incansáveis, para que tudo funcionasse”.
A terapeuta que lida com a demência
Olesya Zaruma Biletska é tradutora, mas a sua “primeira vocação” é outra. Esta ucraniana, nascida em Lviv, é terapeuta na Casa da Nossa Senhora do Rosário, em Lisboa. Trabalha com idosos com demência. “Faço uma espécie de manutenção, para que a doença não progrida tão rapidamente”. Devolve-lhes uma certa autonomia, afasta-lhes a morte – bem distinta daquela que tem tomado conta do seu país com a invasão russa.
Ainda assim, a faceta de tradutora tem-lhe ocupado mais tempo nas últimas semanas, com os milhares de refugiados ucranianos – mais de 31 mil – que têm chegado a Portugal. Todos os dias há uma necessidade diferente, como acompanhar alguém a uma consulta. “Gosto muito de trabalhar com pessoas, mas esperava que fosse noutro formato, por outro motivo”.
É o nome de Olesya que está também num livro, “O Camião das Histórias”, que foi entregue às crianças refugiadas que chegaram a Portugal – que ganhou uma versão bilingue, traduzida por esta ucraniana, para que a capacidade de sonhar não desapareça. Na nova vida que erguem agora no mesmo país que Olesya escolheu para viver há 18 anos.