Violência doméstica: Estado não paga tratamentos - TVI

Violência doméstica: Estado não paga tratamentos

  • Portugal Diário
  • Helena de Sousa Freitas, da Agência Lusa
  • 17 mar 2007, 17:04

Urgências têm custos acrescidos. Vítima preferiu não ser tratada

O Estado português não paga os episódios de urgência hospitalar das vítimas de violência, sendo a despesa imputada ao agressor ou, se este não for condenado, à própria vítima, uma decisão que pode inibir o agredido de ser visto por um médico.

Há duas semanas, Filomena Ferreira dirigiu-se às urgências do Hospital de São Bernardo, em Setúbal, com uma familiar que havia sido vítima de violência doméstica.

«Comecei por ligar para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), onde me aconselharam a ir ao hospital pois, mesmo que ela não quisesse avançar com uma queixa, o médico faria um relatório do seu estado, o que era importante».

Mas quando se preparava para fazer a inscrição da vítima, Filomena Ferreira foi alertada por uma funcionária para o facto de «sendo um caso de agressão, existir, além da taxa moderadora de 7,5 euros, um outro valor associado à consulta».

«Explicaram-me que esse valor a mais era de 106 euros e que devia ser pago pelo agressor ao hospital, embora - se a vítima não apresentar queixa ou o agressor for absolvido - caiba à pessoa agredida pagar a despesa», contou Filomena Ferreira.

A absolvição do agressor não deve ser descartada, pois ainda em Novembro de 2006, Elza Pais, presidente da Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres, lamentou o número diminuto de condenações por violência doméstica em Portugal, que ronda as 700.

Vítima optou por voltar para casa

No caso registado em Setúbal, ao saber do valor, a vítima optou por voltar para casa, «apesar das contusões no pescoço e das nódoas negras nas pernas, para que não fosse imputada ao marido uma despesa que ainda é elevada para a sua situação económica», revelou.

Na opinião de Filomena Ferreira, as dificuldades financeiras de muitos agregados em que a vítima e o agressor coabitam e a hipótese de a conta por pagar «suscitar de novo a ira do agressor» podem «inibir a vítima de se deslocar ao hospital para receber tratamento ou levá-la a ocultar que foi agredida, o que falseia as estatísticas».

Pagamento suspenso enquanto decorre o processo

A Lusa tentou, nas últimas duas semanas, que algum responsável do Hospital de São Bernardo comentasse este «recuo» de uma vítima e indicasse formas de contornar o problema, mas tal não foi possível, tendo, porém, obtido o parecer de outro estabelecimento hospitalar.

Renato Nunes, médico do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - que reúne os hospitais de São José, Capuchos, Santa Marta e Estefânia - esclareceu a existência do valor cobrado ao agressor e explicou qual o procedimento do CHLC.

Segundo o clínico, «em caso de doença natural, o utente paga a taxa moderadora do episódio de urgência, que num hospital central é de 8,5 euros [e num distrital é de 7,5 euros] e o Estado encarrega-se do valor do episódio de urgência em si, que num hospital central está fixado em 143,5 euros» e num hospital distrital em 106 euros.

Porém, «num caso de violência - doméstica ou de outro tipo - o Estado não assume o custo do episódio de urgência, que deve ser pago pelo agressor», acrescentou Renato Nunes, assinalando que a despesa acaba por ser imputada à vítima «se esta não apresentar queixa ou se não ficar provada a culpa do agressor».

Questionado sobre a hipótese de a vítima recuar ao ter conhecimento destas informações, Renato Nunes garantiu que «no CHLC a prioridade é tratar da pessoa, pelo que não se assusta a vítima com um valor que será cobrado muito à posteriori, pois o pagamento fica suspenso enquanto decorre o processo».
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