André Ventura perdeu - TVI

André Ventura perdeu

    Sebastião Bugalho
    Comentador
  • 29 mar 2023, 21:03

Num dos países mais seguros do planeta, as reações à tragédia de terça-feira no Centro Ismaili de Lisboa eram irremediavelmente imprevisíveis. Por nunca ter acontecido algo do género ‒ num local de vocação religiosa, com um indivíduo em situação de asilo ‒, ninguém poderia dizer com total certeza como o país responderia. E o facto é que respondeu bem.

Volvidas mais de 24 horas, há um grau de consternação em comum, de humanidade entre quem observa, quem esteve, quem viu, quem viveu, quem conhece, quem sentiu à distância, que não é nada indiferente ao modo como nos olhamos.

Os agentes da PSP, diante de um homem desaustinado e em fúria, capazes de disparar na direção do seu pé, poupando a vida que já tirara duas. O Presidente, preocupado em evitar generalizações e repercussões contra comunidades integradas em Portugal. O primeiro-ministro, em clara articulação com Belém, com a mesma serenidade. A Administração Interna, pronta a questões e esclarecimentos. A oposição democrática, sem tentativas de politizar o que, ao que tudo indica, não é uma questão política. Os analistas, no geral sem conclusões precipitadas.

A exceção foi André Ventura e a forma como acusou o governo de “ter sangue nas mãos”, mas a excecionalidade foi outra: é que mais ninguém o disse. Quando o dia acabou, quando a verdade se aproximou, quando os detalhes foram finalmente surgindo, o líder do Chega jazia absolutamente isolado, sem protestos na rua contra as leis de imigração, sem a mínima aproximação da sua área política, sem apoio, só.

Aqui nos estúdios da CNN Portugal, em debate com o secretário-geral do PSD, Ventura discutiu essencialmente consigo próprio e com a realidade. E a realidade diz-nos que Abdul Bashir não era “um imigrante” mas antes um refugiado e que a sua entrada no país nada teve que ver com a recente flexibilização do regime de imigração. A realidade, por sinal, desfaz ponto por ponto a argumentação de Ventura, que reclama mais fiscalização para imigrantes de países de origem com “maior perigosidade”, quando esses países “de maior perigosidade” garantem estatuto de asilo precisamente por essa perigosidade, o que faz com que sejam refugiados e não imigrantes.

A não ser que o Chega defenda a saída de Portugal da União Europeia e da Organização das Nações Unidas, o país está comprometido por tratado internacional a acolher os primeiros.

Com pertinência, aliás, Hugo Soares recordou que Ventura defendera exatamente isso em 2015 para refugiados sírios. Ventura justifica-se com “o contexto de tragédia da Síria” na altura, mas, mais uma vez, a lógica vem colada a cuspo: o Afeganistão de hoje não é menos trágico do que a Síria de há oito anos. É lembrar os homens que caíram agarrados a aviões quando os Estados Unidos retiraram de Cabul.

André Ventura poderia ter encarado este episódio como uma oportunidade para demonstrar alguma seriedade, algum pedigree executivo, algum conhecimento (que até tem) do tema, alguma coerência nas suas posições sobre matérias que percorrerão o debate público desta década. Não o fez. Pelo contrário. O teatro a quente, para as redes sociais e para os grupos de WhatsApp, é tentação a que não resiste. Ventura berrou “terrorista” e o país, que tem muitos defeitos, preferiu a dignidade, a empatia, o luto.

O homem cujo sonho mais imediato é ser ministro do Interior num governo da direita mostrou o perigo que seria tê-lo na tutela das forças de segurança. A três anos de eleições ‒ ou talvez menos ‒, o líder do Chega autoproclamou-se iniministeríavel. Não mais do que um deputado de protesto. Nenhum líder do PSD o convidará para o conselho de ministros depois de terça-feira, muito menos para uma pasta de soberania. E nenhum Presidente da República, socialista ou não, lhe dará posse depois desta semana.

A culpa?

A culpa, para usar o seu dicionário, é inteiramente sua.

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