Engenheiro reformado, Tom Erdos mudou-se para Portugal em 2016, deixando São Paulo, no Brasil. No outro lado do Atlântico, veio procurar segurança e qualidade de vida, com a mulher, Sílvia, neta de portugueses.
Desde a primeira vez que viemos aqui, é como se tivéssemos o sentimento de estar na própria casa”, conta Sílvia Erdos à TVI.
Já com nacionalidade portuguesa, à casa que compraram em Cascais o casal quis juntar um carro para poder viajar pelo país, pela Europa e, claro, fazer as deslocações do dia a dia.
Ficámos entre um Volvo e um BMW, quase escolhemos o Volvo. Depois, escolhemos o BMW, porque eu achava mais bonito”, relembra a esposa de Tom, psicanalista em Lisboa.
Depois de alguma procura, Sílvia e Tom apaixonaram-se por um carro que se encontrava à venda num stand em São João das Lampas. O carro tinha apenas 2.800 Km, portanto seminovo, e custou 57 mil euros, a pronto pagamento.
Durante praticamente quatro anos, tudo correu de feição ao casal, que percorreu cerca de 50.000 Km com o veículo. Em setembro do ano passado, Tom estava a preparar-se para fazer mais alguns, num passeio com a mulher, quando tocou a campainha.
Atendo, e dizem ‘é a polícia para o senhor Tom Erdos’. Disseram-me que o carro tinha de ser apreendido, porque havia um processo de França.”
Sem outra hipótese, mas desconhecendo em absoluto o que estava na origem do mandado, Tom entregou o certificado de matrícula do carro na PSP de Cascais. A polícia pediu-lhe que ficasse como fiel depositário, ou seja, com o carro na garagem e a obrigação de mantê-lo conservado.
Eu disse ‘tudo bem, mas não posso usar o carro?' E eles disseram ‘Não. Quando isto for para tribunal, faça um requerimento, e até logo’”.
Em novembro, dois meses depois da misteriosa apreensão, o Ministério Público informa Tom Erdos de que está impedido de usar o veículo, porque o BMW foi roubado a 22 de março de 2017, nas redondezas de Paris, seis meses depois de já estar em Portugal e de ser propriedade de Tom.
O carro foi importado de França pelo stand, mas havia todos os documentos de importação, da alfândega, o carro até já tinha uma matrícula portuguesa quando veio para a minha mão”, assegura Tom Erdos.
Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo, não tem dúvidas do que está em cima da mesa:
A declaração de furto é falsa. O carro não pode ter sido furtado em março de 2017, quando já estava na posse deste senhor. Portanto, o carro, a ter sido furtado, foi furtado antes.”
Sílvia Erdos tem a certeza de que o BMW não pode ter sido roubado, uma vez que a viatura chegou a Portugal e foi legalizada com as duas chaves originais, o que, regra geral, não se verifica quando se tratam de carros roubados.
Garantidamente, este senhor foi enganado. Aquilo que me parece é que alguém trouxe o carro para o vender cá, para depois, com o produto da venda, pagar ao dono do carro em França. Provavelmente, o vendedor vendeu o automóvel a este cidadão, e ter-se-á esquecido de entregar o preço, ou parte do preço, ao cidadão francês, que era o dono do carro”, conclui Paulo Veiga e Moura.
Sem o dinheiro, denunciar o carro como roubado seria o último reduto do francês para recuperar o automóvel ou o valor que lhe estava associado.
Porém, o homem que vendeu o automóvel a Tom Erdos assegura que pagou, na totalidade, o carro ao indivíduo que lho vendeu em França, num negócio que começou através de um anúncio da Internet, e que terminou na mesa de um café.
Perguntámos se poderia mostrar um comprovativo da liquidação da dívida, disse que não, já que pagou em notas. Alegação que é incompreensível, na medida em que a lei francesa limita a dez mil euros os pagamentos em numerário feitos por cidadãos estrangeiros.
Ainda assim, Daniel Seixas, o vendedor, insiste que não tem nada a ver com o roubo do carro, e afiança que até trouxe uma fatura, entregue na Alfândega para legalizar a viatura. A TVI pediu ao vendedor remetesse o documento à nossa redação, porém o nunca o fez.
Daniel Seixas alega que também não se lembra nem do nome, nem da fisionomia do francês que lhe vendeu o carro, contudo o despacho do Ministério Público enviado a Tom Erdos - documento que mantém a apreensão do carro - releva que a empresa francesa que denunciou o roubo, e que terá vendido o veículo ao vendedor português, chama-se Prestige Protec. Tom Erdos chegou à fala, por telefone, com o proprietário:
O que aconteceu foi que, em 2015, houve alguém que roubou a identidade da minha empresa para comprar carros. Eles fizeram um crédito em nome da minha empresa. E eu estou em tribunal para provar que não comprei as viaturas, porque o crédito não foi pago”, revela Cedric Bouillon.
As declarações do francês adensam o mistério à volta do caso, e lançam a possibilidade de ter sido um grupo organizado a orquestrar um esquema que passou por comprar veículos a crédito em nome de uma empresa alheia. Depois, terão vendido os automóveis, incluindo aquele que viria a ser propriedade de Tom Erdos, sem nunca liquidarem os créditos.
Com a dívida a aumentar, o banco lesado exigiu o dinheiro ao proprietário da empresa, Cedric Bouillon. Para tentar resgatar esse valor e entrega-lo à instituição bancária, o francês deu as viaturas como roubadas. No cumprimento da ordem do tribunal francês, o Ministério Público português apreendeu o BMW X3 a Tom Erdos, que entretanto já tinha adquirido o automóvel de forma legal.
Alheio a todo o processo, mas impedido de usar o carro, o engenheiro reformado continua a ser obrigado a pagar seguro de responsabilidade civil e o imposto de circulação.
Eu tenho 72 anos. Eu agora, se quero ir ao supermercado ou à farmácia, tenho de ir a pé, em plena pandemia.”
Tom Erdos compreende que os tribunais estejam a investigar irregularidades, mas não entende por que razão tem de ser o principal prejudicado, já que ficou sem o carro, quando é alheio aos crimes que, eventualmente, foram praticados.
Acho que qualquer cidadão fica completamente estupefacto de, ao fim de quatro anos de comprar um carro e pagar os impostos inerentes a esse carro, ver a polícia bater-lhe à porta e dizer que aquilo que sempre julgou que era dele, aquilo que o Estado reconhece que é dele, afinal de contas não é, e não pode utilizar mais. Isto é um caso verdadeiramente paradoxal, e muito curioso”, considera o advogado Paulo Veiga e Moura.
A TVI questionou o Ministério Público sobre a razão pela qual mantém o carro apreendido, tendo em conta as incongruências no processo, e os documentos que provam que Tom é o legítimo proprietário da viatura. O órgão judicial garante que vai avaliar a legalidade da apreensão, ponderando ainda abrir um inquérito para investigar eventuais crimes praticados em Portugal, durante a transação do carro.
"Eu sou aquilo a que chamam o propriOtário, não o proprietário", brinca Tom.
Paulo Veiga e Moura conclui que o engenheiro e a psicanalista terão de interpor uma providência cautelar contra o Estado português para conseguirem recuperar o carro, em tempo útil. Até lá, Sílvia Erdos, não tira os olhos do futuro:
A nossa ideia é, no momento que recuperarmos o carro, viajar e abrir uma grande garrafa de champanhe, das melhores, para comemorar o retorno.”
No entanto, a espera foi muito mais curta do que o casal poderia imaginar. Alguns dias depois do contacto entre a TVI e o Ministério Público, um magistrado acabou por reverter a apreensão do veículo.
É particamente certo que Tom foi vítima de uma fraude com contornos, ainda, pouco claros, porém o engenheiro reformado e a esposa, Sílvia, já podem utilizar o carro do qual são proprietários.
Se aquilo que geralmente só bate à porta dos outros também lhe aconteceu a si, queremos dar-lhe voz. Conte-nos a sua história, para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt.