Coleccionadores de <i>part-time</i> - TVI

Coleccionadores de <i>part-time</i>

Recibos verdes

Trabalham em várias empresas para receber cerca de 800 euros. Dizem que até nem ganham mal, mas só queriam ter a estabilidade de um emprego fixo. Para já, o futuro fica adiado

Se arranjar um emprego é complicado, optar por vários pode ser a solução. Licenciada em Estudos Portugueses e Ingleses há sete anos, Diana Marques percebeu rapidamente o quão complicado é ser professor em Portugal. Após o primeiro ano sem colocação, decidiu aceitar o desafio de ir leccionar para Timor. O ordenado era igual ao que receberia cá, acrescido de um suplemento de mil dólares, além disso, contaria como tempo de serviço, ajudando a uma colocação futura.

Findo esse ano no estrangeiro, regressou e começou a concorrer «para todo o lado». Apesar de viver no Porto, não se importava de ser colocada nos Açores ou na Madeira, «queria era dar aulas». O tempo passou e a colocação nunca chegou.

«Então, comecei a mandar currículos para todo o lado, centros de formação, centros de explicação», contou ao PortugalDiário. «E tem sido essa a minha vida. Entre um curso e outro, entre uma empresa e outra».

Aos 30 anos, Diana trabalha para três empresas diferentes e ainda dá explicações a título individual e num centro de explicações, tudo no regime de recibos verdes. «Trabalho oito horas por dia, seis dias por semana, para conseguir ter um salário de cerca de 800 euros, o que nem seria mau se houvesse estabilidade. Ando sempre de um lado para o outro. De manhã estou num sítio, à tarde no outro, e as empresas nem são todas na mesma cidade. Além disso, nunca sei quando tenho trabalho», conta a jovem. Por isso, adopta «a técnica da formiga: tento aproveitar ao máximo enquanto há trabalho, porque nunca sei quando vai acabar».

Futuro adiado

«O futuro tem que ficar adiado. Sei que com o ordenado que tenho agora, com este volume de trabalho, podia pagar a prestação de uma casa, mas e se de repente perco algum? Prefiro esperar por alguma estabilidade». E como considera que essa estabilidade não é compatível com a profissão de docente em Portugal, o sonho de dar aulas esmoreceu. «Preferia um emprego fixo na área da formação».

Bem pago para um part-time

Sílvia Semedo é licenciada em História e depois de dois estágios de 400 e 600 euros, viu-se confrontada com a situação de desemprego. Como encontrar trabalho na área de formação não está fácil, os call centers foram o passo seguinte, mas acabou por não durar muito.

Hoje, com 28 anos, Sílvia não tem um, mas dois empregos. Das 8h30 às 13h30 horas trabalha num banco. Pelas cinco horas recebe 513 euros. «Sei que é muito bem pago para um part-time, mas não é suficiente», conta. Por isso, à noite, tem outro emprego. Das 20h à meia-noite é frente de sala no teatro. No total, trabalha nove horas e recebe cerca de 800 euros.

O problema é o facto de os dois empregos serem difíceis de conjugar. Sílvia mora no Seixal e tem de acordar todos os dias às 6h45 horas para estar em Lisboa a tempo do emprego no banco. De tarde regressa a casa para descansar um pouco e depois, volta para Lisboa para trabalhar no teatro. Só por volta das 1h30 horas regressa definitivamente a casa, para dormir 5 horas e voltar a sair. «É complicado, mas a vida é feita de sacrifícios».

A tão esperada estabilidade é que ainda não chegou. «Tenho que viver só o dia-a-dia». Mesmo assim, Sílvia já realizou um sonho que para as outras entrevistadas parece distante: comprar uma casa. Valeu-lhe o facto de o namorado ser funcionário público e ter um emprego e ordenado que permitiu que o banco lhes concedesse o crédito habitação. Mas, como os outros precários da sua geração, Sílvia só queria ter um emprego fixo.

Um grupo de pessoas, fartas desta situação, resolveu criar um blog onde recolhem assinaturas para que o tema seja discutido na Assembleia da República. Muitos são também os que deixam testemunhos sobre esta realidade laboral.
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