O desabafo de um enfermeiro sobre o caos nas urgências - TVI

O desabafo de um enfermeiro sobre o caos nas urgências

Rodrigo Mareco escreveu uma carta aberta ao presidente do conselho de administração do Amadora-Sintra, onde relata a situação indigna para profissionais e doentes nas urgências do hospital. A carta, que publicou no Facebook, tem centenas de partilhas

O desabafo que raramente alivia médicos e enfermeiros nos corredores das Urgências do Amadora-Sintra resultou numa carta ao presidente do conselho de administração do hospital, que Rodrigo Mareco, 25 anos, escreveu de uma assentada e partilhou com amigos, desconhecidos e colegas no Facebook.

A carta, entregue e publicada na quarta-feira, está a tornar-se viral, com centenas de partilhas, tendo, inclusive, chegado ao conhecimento da bastonária dos enfermeiros, que lhe manifestou já o seu apoio. De Norte a Sul do país, são muitas as mensagens solidárias, públicas e privadas, a maioria de colegas de profissão.

Para o jovem enfermeiro das Urgências, naquele serviço há três anos, tantos quantos está no hospital, a situação atual é indigna. Indigna para médicos, enfermeiros e auxiliares, mas sobretudo indigna para os doentes, “amontoados, perdidos, internados em macas”, como descreveu o próprio em conversa com a TVI24.

Não há um turno em que um médico ou um enfermeiro não desabafe sobre o que se passa nas urgências: perguntamo-nos ‘para onde estamos a caminhar’, dizemos que ‘estamos a fingir que somos médicos e enfermeiros’, que ‘não é forma de tratar os doentes. (...) Naquele serviço, os doentes precisam de ter condições mais dignas. Aquilo não é forma de cuidar dos doentes. (…) Chegamos a ter 100 doentes internados nas urgências quando, oficialmente, existem apenas 45 camas”contou Rodrigo Mareco.

Na sua carta, Rodrigo foi muito claro quanto a um cenário que podemos apenas imaginar, apesar de nos últimos dias terem chegado a público imagens de outras unidades do país, em que os doentes chegam a ficar internados na receção por não haver outro espaço disponível.

“No Serviço de Urgência do HFF [Hospital Fernando Fonseca, mais conhecido por Amadora-Sintra] vive-se o caos: Centenas de doentes em área ambulatória; Tempos de espera para observação médica que excedem em muito o preconizado; Doentes em macas em todos os corredores possíveis, muitas vezes longe do local onde serão observados; Incapacidade de dar resposta, em tempo útil e digno, às necessidades dos doentes e familiares; Escassez de profissionais de saúde, nomeadamente Enfermeiros e Auxiliares de Ação Médica; Utentes internados pura e simplesmente num corredor dentro do SO [Serviço de Observação] e muitos outros, no famoso “SO5”, que atinge mais de 20 doentes, simplesmente deitados em macas, a centímetros uns dos outros, que são, supostamente, cuidados por 2 enfermeiros, que não conseguem de todo realizar uma prestação de cuidados digna. Nos dias de hoje, em plena epidemia da gripe, gerir um turno na Urgência Geral do HFF, torna-se um desafio impossível de superar. Existem turnos em que só apetece chorar. Não temos condições, não conseguimos tratar dos doentes da forma como eles merecem, nem das famílias que os acompanham e nos olham desesperadamente”, escreveu.

O “SO5” a que Rodrigo Mareco se refere “não existe”, explicou.

É uma sala de espera onde os doentes que ficam internados estão amontoados. São 25 doentes que precisam de vigilância para dois enfermeiros.”

Chorar não é uma opção, como tantas vezes apetece, como assumiu na carta, mas mudar de vida é o que sobra para muitos.

Tenho muitos colegas que têm saído e sempre pelo mesmo motivo, porque não aguentam mais estas condições. Claro que em Portugal não há condições ideais, mas estou há três anos aqui e sempre foi assim. Tenho recebido mensagens privadas de enfermeiros que trabalharam aqui há dez e 15 anos e que se reviram nas minhas palavras.”

Mas o caos, sublinhou, não é de hoje, deste mês ou do anterior. É um estado permanente, assegurou o jovem enfermeiro.

A situação que descrevo vive-se o ano inteiro, não é só nos meses de inverno. (…) Além de que somos os mesmos enfermeiros hoje que éramos no verão. Quando o Governo diz que estamos preparados para a epidemia da gripe é mentira.”

Palavras que não receia dizer, muito menos quando tem, bem como os seus colegas, cerca de “50/60 horas acumuladas”, que não são pagas, nem têm direito a subsídio de alimentação.

Não tenho receio, espelhei a realidade. Apenas defendi os doentes.”

Fonte da direção hospitalar disse, no entanto, à TVI24 desconhecer qualquer cenário de caos nas urgências, apesar de admitir alguma "confusão" em alguns dias, particularmente no início de janeiro, situação que melhorou desde a semana passada com a abertura dos centros de saúde ao fim de semana e o alargamento do horário dessas unidades para fazer face ao pico da gripe.

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