Boris Johnson: o "adolescente" que conduziu o Reino Unido vai sair do carro. O que isso significa para a guerra, o Brexit e a economia - TVI

Boris Johnson: o "adolescente" que conduziu o Reino Unido vai sair do carro. O que isso significa para a guerra, o Brexit e a economia

"Exótico", "tóxico", "adolescente". Foram alguns dos adjetivos utilizados pelos especialistas para descrever as sete vidas de Boris Johnson. Chegou agora ao fim uma era controversa e que vai ter implicações dentro e fora do Reino Unido

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Depois de uma catadupa de 61 demissões de membros do governo, Boris Johnson concordou em abandonar o cargo de líder do Partido Conservador. Mas esta crise política não se fica pelas fronteiras do Reino Unido, até porque não se sabe quem lhe vai suceder como primeiro-ministro, ou quando. Um líder mais conservador ou um líder moderado? É uma questão que faz diferença no meio de uma guerra na Europa e da crise financeira que os britânicos enfrentam.

Ao fim de tantas polémicas e escândalos, não se pode dizer que este desfecho tenha sido uma surpresa. Nas palavras de Paulo Rangel, esta demissão era "inevitável", mas o eurodeputado português considera que Boris Johnson teria ganho muito mais se o tivesse feito no início da tarde de terça-feira, assim que os ministros das Finanças e da Defesa abandonaram a pasta.   

"São, provavelmente, os homens mais fortes do Partido Conservador, juntamente com aquele que agora se aponta para ser primeiro-ministro interino, Dominic Raab. Quando estes dois [ministro das Finanças e da Defesa] se demitem, se ele tem reagido imediatamente, penso que ele teria tido espaço para fazer o que Theresa May fez quando lhe aconteceu algo semelhante, que foi estender por mais dois ou três meses, para permitir que haja uma competição, uma eleição do próximo líder em que haja um debate maturado e capacidade de se apresentarem diferentes candidaturas. Boris Johnson provavelmente está a pensar ainda poder influenciar quem é o seu sucessor", explicou, à CNN Portugal. 

Mas também há quem tenha dificuldades em retirar conclusões sobre o percurso que Boris fez até ao dia de hoje. É o caso de Henrique Burnay, especialista em assuntos internacionais: "A mim dá-me a sensação que estamos a olhar para um adolescente a quem foi dado um carro muito potente e que agora não sabemos se devemos olhar para ele como alguém que o conseguiu conduzir ou como alguém que sobreviveu aos sucessivos acidentes". 

"Parece que ele achava que tinha um encontro com a História, mas a História não queria encontrar-se com ele. Achava que era predestinado para a politica e, por isso mesmo, podia fazer o que quisesse. Mas a verdade é que acaba por ficar na História porque fez um Brexit, foi contraditório a governar e era tudo e o seu contrário." 

A estratégia do Partido Conservador

Apesar de Boris Johnson querer permanecer no cargo de primeiro-ministro até outubro, o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, já veio pedir eleições antecipadas. Rangel acredita que o cenário mais provável é uma "saída relâmpago". "Demitiram-se 55 [entretanto o número já aumentou] membros do Governo, basicamente o governo desfez-se à frente de Boris Johnson". 

"Ele demite-se porque não tem capacidade para nomear novas pessoas para substituir estas. Porque não arranja 55 pessoas entre os membros do parlamento para poderem ser membros do Governo", acrescentou. 

Uma visão que também é partilhada por Tiago Corais, vereador da Câmara de Oxford, no Reino Unido. O objetivo do Partido Conservador neste momento é, defendeu, "ter tempo para escolher um novo líder, colocá-lo no cargo e ver se é aceite para vencer. Isto são tudo políticas de poder". 

"Os conservadores estão a tentar criar uma alternativa para depois irem a eleições. A grande dificuldade que têm é que, aos olhos da opinião pública, não há ninguém que possa liderar o Partido Conservador. No final do mandato de Theresa May já era percetível que Boris Johnson seria o novo líder." 

Recorde-se que uma das 'condições' de Boris Johnson era manter-se no cargo de primeiro-ministro até outubro, quando se realiza o Congresso do Partido Conservador. Sendo que o líder do partido não é eleito em congresso, é designado pelo grupo parlamentar. Por isso, Boris podia ser destituído pelo grupo parlamentar e ser escolhido um novo primeiro-ministro.

Na perspetiva de Tiago Corais, o Partido Conservador está a fazer o mesmo que fizeram com Margaret Thatcher: "Uma enorme pressão interna" que a levou a renunciar à liderança do partido e ao lugar no governo. Henrique Burnay vai mais longe e diz mesmo que "os conservadores acham Boris Johnson é um prejuízo, não só para o partido se manter no poder, como para as suas eventuais ambições". "Ele é tóxico nas duas opções", acrescenta.

O pós-Boris Johnson

O primeiro-ministro britânico não cai por questões de política geral, mas sim, como disse Keir Starmer, por um conjunto de "mentiras, escândalos e fraude". Independentemente dos motivos, uma coisa é certa: as sete vidas de Boris Johnson acabaram e isso vai ter implicações no Reino Unido e da União Europeia.

Paulo Rangel defendeu, em declarações à CNN Portugal, que a situação económica do Reino Unido "é extremamente grave e dura", com a inflação muito alta e os juros a subir, e por essa razão "vai ter de haver austeridade". O eurodeputado relembrou ainda que Rishi Sunak (ex-ministro das Finanças) e Johnson não partilhavam da mesma visão de gestão do país. Boris queria baixar os impostos, mas Sunak entendia que não havia margem. 

Também não se sabe se o Brexit vai voltar a ser um tema em cima da mesa. Para Rangel, tudo depende de quem será o próximo primeiro-ministro e a que ala pertence. "Boris Johnson era o principal adepto do Brexit, agora depende muito de quem for o seu sucessor. Se for uma pessoa moderada, por exemplo a questão da Irlanda do Norte (…) pode até vir a ter uma solução airosa e positiva. Mas pode também acontecer o sucessor não ser alguém moderado e que vem da ala mais radical. Não me parece que seja esse o caso, mas se acontecer, evidentemente que se manterá esta linha de Boris Johnson de grande intransigência com a União Europeia", explicou. 

Tiago Corais não partilha da mesma opinião. Acredita que, independentemente da ala próximo primeiro-ministro, "o Brexit não vai ser revertido tão cedo". No limite, "poderá haver um novo líder que consiga negociar melhor com a União Europeia". 

Esta demissão vai ter impacto na guerra? 

Em plena guerra, Boris Johnson visitou a Ucrânia duas vezes. Foi o líder europeu que fez os discursos mais duros contra a Rússia, muitas vezes polémicos, e o que mais apoio militar enviou para Kiev. Na ótica de Paulo Rangel, foi também por isso que o primeiro-ministro britânico se agarrou tanto ao poder. 

"Boris Johnson estava muito preocupado com a questão ucraniana. Ele tem sido um campeão da questão ucraniana. Tem sido o líder ocidental que mais tem apoiado a Ucrânia. E acho que não é por acaso que ele quer prolongar [o cargo] por mais três meses. Ele tem receio que isso [a sua saída] dê um sinal errado à Rússia, de instabilidade no Reino Unido que tem sido, mais que a União Europeia e mais que os Estados Unidos, o principal parceiro da Ucrânia e do presidente Zelensky", defendeu. 

Já Tiago Corais defendeu que, independentemente de quem viver a suceder Boris, "a política do Reino Unido em relação à guerra na Ucrânia vai continuar, porque tem aceitação por parte da população".

Uma visão partilhada pelo major-general Agostinho Costa, mas com uma argumentação diferente: "O alinhamento do Reino Unido com os Estados Unidos é permanente e isso é uma das grandes linhas de força da política externa britânica". Ainda assim, esta instabilidade vai ter alguns impactos, principalmente nas relações diplomáticas. 

"Os seus reflexos na Ucrânia vão ser necessariamente sentidos (...) porque há um grande comprometimento britânico no âmbito da preparação das forças ucranianas, tanto no Reino Unido como da própria Ucrânia. (...) O Reino Unido está na linha da frente do fornecimento militar, logo a seguir aos Estados Unidos, mas fundamentalmente onde se vai sentir mais, pelo menos no imediato, é na condução da direção político-diplomática deste conflito, nomeadamente, na relação que o Reino Unido tem tido com os seus aliados da NATO e dos aliados europeus."

O comentador da CNN Portugal referiu ainda que Volodymyr Zelensky deve estar preocupado, porque "perde um aliado muito relevante", principalmente no que toca ao plano que a Ucrânia tem de confiscar cerca de 486 mil milhões de euros em ativos russos congelados para financiar a recuperação do país. 

Quem são os possíveis sucessores? 

Na lista de possíveis sucessores à liderança do Partido Conservador, existem dois nomes que saltam à vista de Paulo Rangel: Ben Wallace, atual ministro da Defesa, e Jeremy Hunt, ex-ministro da Saúde. 

"Dos perfis todos que estão em jogo (...) eu acho que há dois nomes que dariam todas as garantias relativamente à questão ucraniana e dariam um novo fôlego entre o Reino Unido e a União Europeia. Um é Ben Wallace, que ganhou muito crédito com a questão ucraniana, e o outro é Jeremy Hunt, que foi ministro da Saúde no passado, agora é presidente da comissão parlamentar de saúde e chegou a ser candidato a primeiro-ministro contra Boris Johnson".

Outro dos nomes apontados é o de Liz Truss, a atual ministra dos Negócios Estrangeiros, que não se demitiu e antecipou o regresso da viagem de Estado à Tailândia. 

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