Comissão recusou fornecer ao Ministério Público cópias dos testemunhos das vítimas - TVI

Comissão recusou fornecer ao Ministério Público cópias dos testemunhos das vítimas

Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais (Lusa/António Cotrim)

Procuradores fizeram pedidos para que a Comissão prestasse mais informações sobre as identidades das vítimas, os agressores e o teor dos testemunhos. Comissão não os entregou em nome do "absoluto sigilo" prometido às vítimas

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A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa recusou fornecer ao Ministério Público (MP) cópias dos testemunhos e dados que permitiriam identificar as vítimas. A Comissão alega que a entrega dessas cópias iria violar a “garantia de sigilo absoluto” que a equipa assumiu publicamente. 

Esta recusa consta dos vários processos de investigação que o MP abriu a alguns dos casos que a Comissão enviou para a Justiça, nomeadamente em Sintra, Loures e Oeiras. Para investigar alguns testemunhos validados sobre abusos sexuais de menores por sacerdotes destas dioceses, os procuradores solicitaram mais elementos, mesmo depois de terem tido acesso à data de nascimento e ao sexo da vítima, os anos em que decorreram os abusos, o tipo de abusos e o local onde ocorreram.

Nos diferentes processos consultados pela CNN Portugal, os procuradores que receberam os casos pediram à Comissão que prestasse mais informações sobre a identidade das vítimas, os agressores e o teor dos seus testemunhos. Alguns desses dados, no entanto, não puderam ser revelados, dada a garantia de absoluto sigilo prometida pela equipa liderada por Pedro Strecht.

Em relação ao caso de Sintra, que acabou arquivado por prescrição, ao Ministério Público foi remetida a informação de que, durante o “ano de 2002/2003”, um padre teria estado envolvido na prática de “sexo anal, sexo oral, masturbação, visão conjunta de pornografia, recolha de imagens do corpo, exibição de órgãos genitais e toque em zonas erógenas” com um menor.

Já relativamente ao caso de Oeiras, que também foi arquivado por prescrição, foi enviada pela Comissão uma outra denúncia aos magistrados. Esta dizia respeito a um padre que entre 2005 e 2006 manteve “conversas de cariz sexual muito explícito” com uma vítima que na altura teria 16 anos.

Após a receção de ambas as denúncias apresentadas à PGR em março de 2022, o Ministério Público solicitou informação complementar à comissão. A magistrada Dina Amaro deu 10 dias à equipa de Pedro Strecht para informar sobre “todos os elementos” do possível crime, “incluindo cópias dos testemunhos dos ofendidos, idade dos suspeitos, datas e locais dos factos”. 

Foi após este pedido que chegou uma comunicação escrita pelo jurista Álvaro Laborinho Lúcio, que integra a Comissão Independente. Nela revelava que os elementos transmitidos ao Ministério Público surgem apenas porque não poderia deixar de os dar conta a quem tem o exclusivo da correspondente investigação, “embora com todas as limitações que a situação impõe”.

Limitações essas geradas também pela “garantia” prestada pela Comissão do “absoluto sigilo quanto ao teor dos testemunhos e dos seus autores”, “na sua esmagadora maioria” fornecidas “através do anonimato”. Isto porque “nenhum testemunho revelou qualquer intenção de apresentar queixa para efeitos de procedimento criminal, nem buscou nenhuma compensação de outra natureza”.

Assim, a Comissão entende, escrevia Laborinho Lúcio, que só pode fornecer dados que possam “indicar a possível ocorrência de um crime”, dispensando-se a “fornecer outros que violentariam a garantia de sigilo absoluto”.

Casos arquivados

Mesmo dentro dessas limitações, na comunicação de Laborinho Lúcio, foram fornecidos mais dados complementares ao Ministério Público. No caso de Oeiras, os abusos terão ocorrido enquanto a vítima frequentava o 10.º e 11.º anos, foi relatado que o alegado agressor teria 60 anos na altura e que “os abusos decorriam dentro da Igreja”. No caso de Sintra foi ainda dada a informação de que os abusos decorriam “em vários locais da igreja”, durante um período de “três meses”, e que a vítima revelou a situação a amigos. Em ambos os casos, as vítimas conheciam outras crianças e jovens abusados pelo mesmo padre.

Os factos descritos nas denúncias enviadas pela Comissão seriam suscetíveis de, no caso de Sintra, configurarem crimes de violação, coação sexual, abuso sexual de menores dependentes e gravação de fotografias ilícitas. No caso de Oeiras, estaria em causa um crime de abuso sexual de menor dependente e um de atos homossexuais com adolescente. Os dois casos foram arquivados cerca de três meses após a sua apresentação à PGR por terem prescrito em 2013.

A Comissão Independente fez também chegar ao Ministério Público uma outra denúncia relativa a um sacerdote, identificado como “padre Cristóvão”, que entre o ano de 2002 e de 2003 terá praticado com um menor sexo oral, “manipulação de órgãos sexuais, masturbação e exibição de zonas genitais da vítima”. O local das agressões seria “o gabinete do padre/diretor de instituição em Loures” e ocorreram num período de entre dois a três anos. 

A informação suscitou perguntas pelo MP à Comissão, que foi questionada sobre se naquele município e no de Odivelas existia apenas uma situação denunciada, qual seria a concreta instituição em que foram cometidos os factos e se seria possível ter mais informações sobre a identidade do autor. Seguiu-se apenas um outro esclarecimento: “Supõe-se que o abusador já tenha morrido.”

A partir desta informação, foi aberto um inquérito em julho de 2022, no qual foi solicitado ao cardeal-patriarca de Lisboa a identidade completa deste “padre Cristóvão”, que “exercia funções paroquiais ou de diretor em instituição de Loures nos anos de 2002 e 2003”. Tal informação, escrevia a procuradora Sónia Fonseca, era “essencial”. 

Seis dias depois, o patriarcado, liderado por Manuel Clemente, respondeu que o padre em questão tinha o nome de Manuel Pereira Cristóvão, da diocese de Coimbra e ao serviço da Obra da Rua, que era diretor da Casa do Gaiato de Lisboa. Foi também confirmado que este padre tinha falecido em 2020.

A confirmação do óbito do padre levou também ao arquivamento do caso, já que, como foi exposto pela magistrada que o determinou, a responsabilidade criminal extingue-se com a morte.

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