Não há governo evidente no final da noite eleitoral espanhola. O primeiro-ministro mais provável a sair da ida às urnas de ontem é, surpreendentemente, o incumbente: Pedro Sánchez.
Nem que seja em gestão até novas eleições, o secretário-geral do PSOE demonstrou um instinto político apurado e uma resiliência eleitoral que lhe poderão valer a sobrevivência e, possivelmente, mais quatro anos de poder.
Tudo dependerá da votação que resultar do debate de investidura, entre o final de agosto e o início de setembro, onde o vencedor das eleições terá de conseguir 176 dos 350 votos do congresso.
O Partido Popular, que conquistou mais assentos na noite de ontem, dificilmente o conseguirá. O Partido Socialista Espanhol também enfrentará dificuldades. Caso nenhum consiga uma maioria nesse primeiro momento, a câmara reunir-se-á 48 horas depois com uma fasquia mais baixa: bastará ter mais ‘sins’ do que ‘nãos’. E é nesse cenário que Sánchez poderá, mais do que não estar morto, voltar à vida. Caso contrário, Espanha viverá novas eleições no final deste ano, exatamente como teria vivido no calendário regulamentar.
A jogada de Sánchez, ao antecipar o ato eleitoral na ressaca da derrota autárquica de maio, foi um all in. Um ‘tudo ou nada’ que, depois de ontem, poderá vir a dar-lhe quase tudo. A pergunta, olhando a distribuição de mandatos, divide-se em três: como, quem e a que custo. Se o PSOE amealhar o apoio do SUMAR, dos catalães da ERC, dos galegos do BNG, dos bascos do PNV, e ainda as abstenções do Bidu (basco) ou do Junts (catalão), é matematicamente possível que Pedro Sánchez seja novamente indigitado presidente do governo espanhol. Se assim acontecer, terá ganho, perdendo.
A questão dificulta-se porque envolve agradar a vários independentistas das mesmas regiões, mas com sensibilidades ideológicas distintas. E, por outro lado, porque o PP deverá conquistar uma maioria no senado que lhe permitirá inviabilizar concessões orçamentais e legislativas, assim como cedências constitucionais mais drásticas, como referendos de secessão.
A potencial saída de Alberto Feijó, o mais votado nas eleições de ontem, é estreita e igualmente complexa. O galego necessita de contar com os seus 136 deputados, com os 33 do Vox (que perdeu metade da bancada), com a simpatia dos deputados únicos de Navarra e das Canárias, e ainda com a mesma abstenção do Junts, partido de Carles Puigdemont, exilado em Bruxelas, cujas convicções chocam diretamente com a agenda nacionalista do Vox. É esse, no fundo, o paradoxo que exponencia a ingovernabilidade espanhola. Feijó, que teve mais votos, tem menos hipóteses de governar. Ao contrário de Sánchez, pode perder, tendo ganho. Pelo menos até novas eleições.
O que acontecerá daqui até lá é igualmente incerto, na medida em que os socialistas espanhóis detêm um horizonte sorridente (a presidência espanhola da União Europeia como plataforma de pré-campanha) e o Partido Popular, apesar dos 3 milhões de votos trazidos por Feijó em comparação com 2019, corre riscos de tumulto interno. Ontem à noite já houve gritos por Ayuso em Madrid.
Um bipartidarismo de minorias
A capacidade negocial de Sánchez e a gestão de expectativas de Feijó determinarão a inevitabilidade de novas eleições. As deste domingo, por mais inconclusivas que sejam, trazem sinais relevantes para o sistema político espanhol e para as demais democracias europeias. A resistência dos dois partidos ao centro é notável, mesmo que já não autossuficiente. O caminho para um bipartidarismo de minorias parece incontornável e o risco de ingovernabilidade quase um novo normal.
Sánchez, como se vê, não deve ser subestimado. Depois de perder as eleições municipais e regionais, provocar eleições e ser achincalhado em campanha, acrescentou mais dois lugares ao seu grupo de deputados. No dicionário dos sobreviventes políticos, ganhou definitivamente entrada. No futuro de Espanha, saberemos em breve.