A comunicação feita pelo Vaticano caiu como uma bomba nas principais obediências maçónicas do país. “Sinto-me incomodado”, diz à CNN Portugal Fernando Cabecinha, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), garantindo que nesta obediência, a mais antiga do País, há “irmãos” católicos e não católicos. “E temos, pelo menos, um padre”, adianta o responsável, para quem esta posição do Papa Francisco é “incompreensível”: “Acho que é extemporâneo e de mau gosto. Ouvimos nas Jornadas Mundiais da Juventude que a Igreja estava aberta a todos, mas afinal não está”, diz, acrescentando: “pelos menos aos maçons”. O mesmo diz Armindo Azevedo, o grão-mestre da Grande Loja Legal de Portugal, a outra grande obediência nacional. “A abertura da Igreja a todos, todos, todos - como exortou o Papa na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) implica também a inclusão de todos, e são muitos, os maçons regulares católicos”, .
A reação surge depois de a Santa Sé, nomeadamente do Dicastério para a Doutrina da Fé, que trata destes temas, ter feito uma comunicação onde garante que os católicos estão proibidos de pertenceram à maçonaria. "A filiação ativa de um fiel à maçonaria é proibida, devido à irreconciliabilidade entre a doutrina católica e a maçonaria”, diz o documento. Isto na sequência de um pedido de um bispo das Filipinas que queria saber como atuar perante o aumento de fies a aderir a lojas maçónicas.
A posição do Papa, garante à CNN Portugal o grão-mestre da GLLP, está a chocar os membros desta obediência, onde só entra, aliás, quem tem uma crença. “Para se entrar na Grande Loja tem de se ter crença em Deus”, explica, dizendo que os juramentos dos maçons católicos são até feitos com a mão sob a bíblia. Outros, muçulmanos e judeus fazem com o Alcorão ou na Torá, respetivamente, acrescenta.
“Foi uma grande deceção. Sou católico e não deixo de ser por estar na maçonaria, pois trata-se da fé individual de cada um”, nota ainda Armindo Azevedo, garantindo ainda que não entende a afronta da Igreja”, explicando que em breve pretende mesmo “pedir uma audiência” ao patriarca de Lisboa.
Também no GOL se vive o desconforto. “Não se percebe o alcance desta posição do Papa”, diz Fernando Cabecinha.
José Policarpo proibiu, Manuel Clemente aceitou convite para encontro
As relações entre a maçonaria e a Igreja são há longos anos difíceis e muitas vezes tensas. Em Portugal já decorreram alguns episódios que revelou o conflito entre as duas organizações. Um dos mais graves ocorreu em 2004, aquando da morte do antigo presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, um importante maçon. Os elementos do GOL decidiram fazer um ritual maçónico dentro da Basílica da Estrela, durante o velório, e a Igreja não gostou. De tal forma que o Cardeal-patriarca de então, D. José Policarpo, lembrou na época que pertencer à maçonaria significava viver em pecado.
A condenação pública da maçonaria por parte da Igreja remonta a pelo menos a 1738: ano em que uma bula do papa de então Clemente XII proibiu os católicos de serem maçons. Desde aí, sucederam-se ao alertas e documentos oficiais do Vaticano sobre as ordens maçónicas, chegando a avisar-se para o risco de excomunhão. A preocupação da Santa Sé com o assunto é reveladora pela quantidade de ações pontifícias contra os maçons: só entre 1846 e 1903 foram feitas 350. A ideia acabaria por vir expressa no primeiro Código de Direito Canónico, de 1917, onde se define que não é permitido a filiação em lojas maçónicas. Bento XVI também chegou a fazer um comunicado a garantir que quem o fizesse estaria “em estado de pecado grave” e em 2007 o Tribunal da Penitenciária Apostólica veio a público recordar que a não era compatível a pertença à maçonaria com “a fé católica”. Uma posição que se mantém até hoje, como revela a nota do Vaticano na comunicação desta semana.
Aliás, Armindo Azevedo conta que essa mesma “incompatibilidade” lhe foi referida em 2022 quando decidiu escrever à Santa Sé elogiando o papel do Papa Francisco. “Na resposta que me foi dada agradeceram, mas recordaram ser incompatível a relação entre ser da maçonaria e católico”.
A surpresa das obediências com esta posição deve-se, em especial, ao clima mais calmo que que parecia estar instalado entre as obediências maçónicas e a Igreja Portuguesa nos últimos anos. Aliás, Manuel Clemente já depois de ter assumido o cargo de cardeal-patriarca aceitou participar, em 2014, num debate organizado por um ex‑grão‑mestre da GLLP, Nandim de Carvalho, que decorreu num bar esotérico instalado num parque de campismo e que era frequentado por maçons. No dia 22 de novembro daquele ano o então patriarca foi falar sobre o Papa Francisco para uma audiência cheia de maçons.
Por outro lado, os grão-mestres da maçonaria têm sido convidados para eventos oficiais da Igreja. Armindo Azevedo lembra aliás, um convite ocorrido ainda este ano. “Fui convidado para estar como Grão-mestre no concerto de Ano Novo no Patriarcado de Lisboa”.
As duas obediências preparam-se, entretanto, para fazerem comunicados oficiais sobre o assunto, a lamentar a posição do Papa Francisco.