Os 55 milhões para Neeleman, o silêncio sobre Alexandra Reis e um aeroporto “a rebentar pelas costuras”. Pedro Nuno regressou ao Parlamento com "um gosto enorme" - TVI

Os 55 milhões para Neeleman, o silêncio sobre Alexandra Reis e um aeroporto “a rebentar pelas costuras”. Pedro Nuno regressou ao Parlamento com "um gosto enorme"

Depois de seis meses de silêncio, Pedro Nuno Santos volta a dar explicações sobre a gestão da TAP. No entanto, rejeitou dar respostas sobre a indemnização de Alexandra Reis que levou à sua saída do Governo. Pelo meio, lançou críticas, auto-elogiou-se e previu o futuro da companhia aérea

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Pedro Nuno Santos regressou esta terça-feira ao Parlamento, com "um gosto enorme" e “muita vontade de responder” a várias questões que têm sido levantadas nos últimos meses sobre a gestão da TAP, desde que deixou o cargo de ministro das Infraestruturas, em janeiro deste ano. “Foram meses de espera difíceis”, admitiu. Mas as questões que vários deputados realmente queriam ver esclarecidas, sobre a indemnização de Alexandra Reis e a sua consequente saída do Governo, ficam para a semana, quando o ex-ministro for ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP. 

“Os temas que suscitaram a minha saída no Governo serão abordados na comissão parlamentar de inquérito na próxima semana, portanto sobre esses temas terei de esperar mais uma semana”, indicou. É que o “convite” que lhe foi feito para ser ouvido na Comissão de Economia tinha “uma natureza diferente” da CPI e, na perspetiva do ex-ministro, nesta comissão até se “têm discutido temas mais importantes do que aqueles que levaram à constituição da CPI”, nomeadamente a privatização da TAP em 2015, os fundos que financiaram a capitalização da empresa na altura e a intervenção do Estado em 2020.

Apesar desta ressalva inicial, foram várias as tentativas dos deputados da oposição para que o tema também fosse debatido nesta comissão, começando logo na primeira intervenção da primeira ronda de questões, quando o deputado social-democrata Paulo Moniz questionou Pedro Nuno Santos sobre a desarticulação do ministério então sob a sua tutela com o das Finanças. “É inacreditável como é que não informou a tutela financeira de um pedido da CEO para pagar a indemnização a Alexandra Reis".

Em resposta a Paulo Moniz, Pedro Nuno Santos insistiu que queria “cingir” os temas desta comissão à privatização da TAP e não ao caso da saída de Alexandra Reis. “Na CPI teremos muito tempo para discutir muitas das coisas que disse, que são erradas, mas teremos oportunidade de as clarificar”, prometeu, antecipando que na próxima semana semana vai estar a ser ouvido "durante umas 10 horas".

O tema voltou a ser levantado por diversas vezes por vários deputados, do Chega ao PAN, que fez um requerimento para colocar uma questão ao ex-ministro, apesar de não integrar a Comissão de Economia. A oposição quer saber, antes de mais, o porquê de não ter sido aplicado a Alexandra Reis o estatuto do gestor público.

A dada altura, confrontado com várias questões colocadas pelo deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, nomeadamente sobre os 55 milhões de euros pagos a David Neeleman - Pedro Nuno Santos ironizou, remetendo as questões que não conseguir responder para a CPI. “O senhor deputado obviamente não me vai largar na CPI, não vale a pena chatearmo-nos e entrarmos em ansiedade hoje, estaremos muito tempo juntos.”

"Ideia de que Neeleman poderia sair sem nada não era a informação que a sociedade de advogados nos dava"

As leituras até podiam ser “divergentes do ponto de vista jurídico”, garantiu Pedro Nuno Santos, mas o Estado tinha mesmo de dar 55 milhões de euros a David Neeleman para o fazer sair da administração da TAP. Para a sociedade de advocacia que estava a auxiliar a negociação com o empresário não havia volta a dar. “Aquilo que nós tínhamos era uma leitura de que, no sentido de um conflito judicial com Neeleman, este garantiria ganhos que decorriam de direitos de saída", nomeadamente prestações acessórias pelo seu valor nominal.

O pagamento decorreu do acordo parassocial assinado entre 2016 e 2017, que transferia para o Estado a responsabilização de futuras capitalizações da TAP, e, como Pedro Nuno Santos assumiu, nos contratos celebrados existiam cláusulas que permitiam ao empresário recuperar as prestações acessórias em caso de incumprimento do Estado: “Estávamos a ser consultados por uma sociedade de advogados e havia uma avaliação dos riscos. Essa avaliação feita fez-nos optar por uma negociação”.

Assim, refere, a "ideia de que Neeleman poderia sair sem nada não era a informação que a sociedade de advogados, contratada pela PARPÚBLICA, nos dava" - contrariando também a opinião de Diogo Lacerda Machado, ex-administrador da TAP, que confessou na Comissão Política de Inquérito, em maio, não entender este pagamento.

Por outro lado, tanto em respostas às perguntas da Iniciativa Liberal como do Bloco de Esquerda, o ex-ministro desvalorizou o valor que “tem animado”, mas que, por mais que se explique, “continuam os deputados a perguntar”: trata-se de “um processo negocial em que duas partes se encontram e chegam à conclusão que estão em condições de fechar um acordo. Sendo que havia uma referência, estávamos a ser consultados por uma sociedade de advogados e havia uma avaliação dos riscos. Essa avaliação feita fez-nos optar por uma negociação”. 

Esta negociação surge em oposição a uma nacionalização da companhia de bandeira portuguesa, uma ideia que “resultaria num resultado incerto”, e num momento em que a pandemia exigia a injeção urgente de dinheiro na TAP, não havendo da parte de Neeleman “a abertura para esse auxilio”.

"Obviamente que quem é proprietário exigiu contrapartidas, nomeadamente que não haveria risco da empresa voltar para o setor público empresarial, que perante determinadas situações de bloqueio poderia ter direito à obrigação de compra das suas ações pelo Estado", continuou. 

Já sobre a gestão de Neeleman até 2020, Pedro Nuno Santos foi repetidamente questionado sobre o seu grau de conhecimento das operações de capitalização de David Neeleman junto da Airbus que levaram a que a TAP acabasse presa a um memorando de compra de 53 aeronaves através de uma taxa de mais de 226 milhões de euros. Por um lado, aproveitou as questões -  principalmente vindas do Partido Socialista, que acabou por manter uma postura de aliado durante as três horas de intervenções na Comissão - para salientar várias vezes que, ou não sabia, ou que não era jurista (o que levou alguns deputados a apontar um 'clássico comportamento do ex-ministro').

Ainda assim, esclareceu que, no Governo, ouvia-se na altura que o negócio era tido como "estranho". "Ouvíamos que esse negócio teria ocorrido, mas foi sempre apresentado como legal, os sindicatos falaram comigo sobre o tema, mas a questão era apresentada como legal, hoje temos informação que nos permite revisitar o tema". Na altura, Pedro Nuno Santos era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Assume também que o tema, no Governo, "estava ultrapassado". "Tudo o que tínhamos era comentários sobre David Neeleman ter sido financiado pela Airbus. Até termos administração nomeada por nós, só havia isso".

Para além desta polémica estratégia de capitalização de Neeleman, foi também pedida uma análise à consultora irlandesa Airborne que calculou que a TAP estaria a pagar cerca de 254 milhões de euros acima do preço de mercado pelo leasing dos mais de 50 novos aviões - ainda não chegaram todos. Estes documentos foram entregues ao Ministério Público que abriu inquérito. Mais do que isso, Pedro Nuno Santos sabe só que a companhia “estava em negociação com a Airbus por causa dos contratos”. “Não sei qual é o ponto de situação desta negociação”, adianta.

Auditoria deverá "ter consequências"

Pedro Nuno Santos comentou também a auditoria pedida pela TAP aos contratos realizados com a Airbus após a sua privatização. O ex-ministro sublinhou que ela "é suficientemente grave" para se "ignorar" e "que é possível que todos tenhamos sido enganados: Governo PSD, TAP e o país todo". "Se assim foi, não podemos ignorar essa situação".

Segundo o ex-ministro, hoje é possível perceber que a capitalização para a privatização da TAP foi feita com fundos da Airbus e que a "auditoria indica que é muito provável que a capitalização feita pela Airbus foi financiada na realidade pela TAP". "Aquilo que a auditoria nos diz é que há um valor implícito à troca de vendas de aviões e que esse valor implícito é de 440 milhões de dólares".

Estes 440 milhões de dólares correspondem, por um lado, a 190 milhões de dólares que a Airbus terá eventualmente ganho com a desistência da encomenda dos A350 - "que tinha um valor muito baixo para a TAP e porventura terá permitido à Airbus vender os A350 a um preço claramente superior ao concretizado pela TAP". Mais os 254 milhões de euros de prémio pela aquisição dos 52 aviões. A audição "ajuda-nos hoje a perceber melhor porque é que um fornecedor de aviões empresta ou dá ao comprador da empresa 227 milhões de euros".

Pedro Nuno Santos acrescenta ainda que, caso as conclusões da auditoria se verifiquem, é necessário existir "consequências". "Temos de exigir que os contratos sejam revistos, sejam renegociados os contratos, porque isso é valor da TAP, do Estado e dos portugueses".

Os 'avisos' sobre o futuro da TAP

Pedro Nuno Santos aproveitou para deixar alguns avisos relacionados com o futuro da TAP. "Ainda há 20 e tal aviões por receber. Não sei se o aeroporto Humberto Delgado tem estacionamento para todos os aviões se eles vierem", indicou o ex-ministro, que mais tarde voltou a desabafar sobre o aeroporto de Lisboa, lamentando que o mesmo esteja “a rebentar pelas costuras”.

Na sua intervenção inicial, o ex-ministro das Infraestruturas criticou o Estado português por "perder o controlo das infraestruturas mais importantes" para um país, referindo-se aos aeroportos, uma tema muito caro para Pedro Nuno Santos que, em junho do ano passado, quando ainda assumia a tutela das Infraestruturas, foi desautorizado pelo primeiro-ministro quando avançou com um despacho sobre o Plano de Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa”.

Defendendo que a injeção de 3,2 mil milhões de euros permitiu uma capitalização efetiva de 400 milhões de euros da transportadora, Pedro Nuno Santos reitera que “a TAP  não conseguirá sobreviver se não se integrar num grupo de aviação". “Será sempre muito difícil a TAP sobreviver sozinha no mundo competitivo da aviação”, prevê.

Sobre como deixou a companhia aérea, optou pelo auto-elogio: "Não há mais nenhum Governo, mais nenhum ministro, que se possa gabar de ter terminado as suas funções com a TAP e a CP a dar lucro”.

Antes disso, fez várias críticas à gestão do governo de Passos Coelho: "A TAP foi vendida por 10 milhões. Poderia ser aceitável se o PSD dissesse que os privados ficaram responsáveis pela divida histórica da TAP. Podia ser aceitável do ponto de vista financeiro, mas não aconteceu", argumentou.

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