Esta história é quase contada na primeira pessoa. Não acaba bem, nem mal, porque continua. E começou há 12 anos. É uma história de sobrevivência de um cancro raríssimo causado pelo vírus da mononucleose. Mas principalmente é uma história de muita dor. Que não acabou. Pelo contrário.
Matilde (nome fictício), 55 anos, recua até à Primavera de 1986 e às memórias com as quais ainda hoje tem muita dificuldade em lidar, para contar ao PortugalDiário como tudo começou. Fecha os olhos, recua, abre-os, recorda, aperta as mãos, mesmo os dois dedos da mão direita que mexe perfeitamente, mas não sente... E começa.
«Apareceram-me gânglios no pescoço». Primeiro foi o médico de clínica geral que não valorizou, depois foi o coração a dar o aviso, e os cardiologistas do hospital a dizerem-lhe que não tinha nada. Como as dores cardíacas persistissem voltou ao hospital de madrugada e, nessa altura, perante as perguntas do médico, falou dos gânglios. A partir daí, «entre análises e consultas, a médica admitiu a hipótese de um linfoma, mas não me disse, li ao contrário o que ela tinha escrito no relatório».
Estávamos no mês de Março. A médica reclamou urgência, desdobrou-se em contactos para apressar uma operação que permitisse recolher parte dos gânglios, mas só conseguiu uma consulta para Julho. A operação aconteceria muito depois.
«Não sabia se estaria viva dali a um ano»
Matilde não se conformou: «Usei muitas cunhas, falei com quem conhecia e com quem não conhecia. Consegui ser operada em Abril». Uns dias antes desta operação contou finalmente ao marido. Também antes da operação e com a palavra «linfoma» lida ao contrário na cabeça, comprou, com um ano de antecedência, o vestido da primeira comunhão da filha. «Não sabia se estaria viva dali a um ano». Silêncio. «Isto custa-me muito. É dos momentos que mais me custa». Chora. «Já não chorava há muito tempo. Agora já só choro na psicoterapia».
«Há outro momento que mexe muito comigo e que me custa falar... eu andava a fazer radioterapia e sentia-me mesmo mal, o meu filho estava no primeiro ano do 1º ciclo e pediu-me para vestir um bonequinho de esponja que tinham feito na escola. Não conseguia mesmo, não queria fazer, não tinha força. Tentei dizer-lhe, mas ele insistia: «Mamã, mas todos os meninos vão ter...» Eu fiz.» Matilde volta a chorar. Parámos. Mudamos de assunto. Para ganhar forças. Ou parar. «Não, eu quero continuar».
Voltámos à operação. «Tiraram-me alguns gânglios e enviaram-nos para o patologista. O médico disse logo ao meu marido que era um linfoma. A mim não. Curiosamente o patologista reconheceu o meu nome de termos sido colegas de infância e ligou a uma amiga comum que a seguir ligou ao meu marido. Era um carcinoma da nasofaringe. Foi a vez do meu marido guardar segredo».
O víris da mononucleose pode «acordar»
Matilde explica que este tipo de carcinoma, raríssimo, é provocado pelo vírus Epstein-Barr. «Em tempos terei tido mononucleose e fiquei portadora deste vírus. Se uma pessoa estiver muito fraca ou tiver sofrido um choque emocional forte o vírus pode «acordar» e alojar-se num ponto do sistema respiratório. A mim aconteceram-me as duas situações, estava muito fraca porque os meus filhos não dormiam (só começaram a dormir depois dos 5 anos) e o meu pai tinha morrido há dois meses. Mas tudo isto só soube depois».
Leia aqui a continuação da história de Matilde
![«Os meus filhos precisavam de ter uma mãe» - TVI «Os meus filhos precisavam de ter uma mãe» - TVI](https://img.iol.pt/image/id/7057241/400.jpg)
«Os meus filhos precisavam de ter uma mãe»
- Luísa Melo
- 22 abr 2008, 00:05
![Imagem de arquivo](https://img.iol.pt/image/id/7057241/1024.jpg)
Matilde recorda uma história que começou há 12 anos e ainda não acabou. É uma sobrevivente, mas continua com o mundo às costas
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