Homossexuais só podem dar sangue em abstinência sexual - TVI

Homossexuais só podem dar sangue em abstinência sexual

  • Redação
  • Notícia atualizada às 20:49
  • 29 abr 2015, 13:27
Sangue

Presidente do Instituto do Sangue explica que "contacto sexual de homens com outros homens é definido como fator de risco"

O presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) afirmou esta quarta-feira que é um fator de exclusão para a dádiva de sangue ser homem e ter tido sexo com outros homens.

Segundo Hélder Trindade, que foi ouvido na Comissão Parlamentar de Saúde, o instituto não faz qualquer discriminação em função da orientação sexual, mas sim em função da prática sexual.

“O contacto sexual de homens com outros homens é definido como fator de risco”, admitiu o presidente do IPST, sem contudo reconhecer tratar-se de preconceito como acusam os partidos da oposição.


O sangue doado é sempre testado antes de ser usado, mas o questionário realizado ao dador é considerado um passo crucial para a segurança da transfusão, na medida em que há uma “janela de tempo”, que é variável, em que o VIH pode não ser detetado na análise ao sangue doado.

No final da comissão parlamentar e em declarações aos jornalistas, Hélder Trindade voltou a explicar que está definido como fator de exclusão para a dádiva de sangue “ser homem que tem sexo com homens”.

Apesar de a pergunta ter saído dos questionários escritos feitos antes das dádivas de sangue, continua a haver indicações para que seja sempre formulada a quem se apresente para doar sangue.

Hélder Trindade entende que não se trata de um preconceito, uma vez que nada é perguntado sobre a orientação sexual, mas antes sobre o comportamento sexual.

“O que o instituto questiona é o comportamento de risco. Tanto faz se é homo ou heterossexual. Não há discriminação por grupos de risco, mas sim por comportamentos de risco”, afirmou, adiantando que o dador não será excluído por se assumir homossexual, mas por praticar sexo com outros homens.


O presidente do IPST sublinhou que o mesmo se passa em vários outros países europeus e também nos Estados Unidos, apesar de na Europa a matéria não ser consensual.

Para justificar o que está estabelecido em Portugal, cita dados do Centro Europeu de Controlo de Doenças segundo os quais a prevalência do VIH/sida é “bastante mais elevada” nos homens que fazem sexo com homens.

“O contacto sexual de homens com homens é definido como um fator de risco. A homossexualidade não é assumida como fator de risco”, indicou o responsável aos deputados durante a audição requerida pelo Bloco de Esquerda.


Perante as explicações, os partidos da oposição foram unânimes em considerar que o fator de exclusão assumido pelo IPST continua a ser discriminatório.

“A categoria ‘homens que têm sexo com homens’ é uma categoria preconceituosa e é absurda do ponto de vista da avaliação do risco. Primeiro presume que um homem que faz sexo com homens faz sempre sexo anal. Depois não considera o fator da desproteção. O fator de risco são as práticas sexuais desprotegidas”, defendeu José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda.


Para a deputada do PS Elza Pais, “as garantias de segurança para quem recebe a dádiva devem ser feitas com base no rigor científico e não no preconceito”.

“O sexo anal não é exclusivo de homens que têm sexo com homens. Se se entende que o sexo anal é fator de risco, como se garante a segurança quando os heterossexuais também têm sexo anal?”, questionou Elza Pais.


Paula Santos (PCP) disse que os argumentos do IPST eram contraditórios e referiu-se ao critério de exclusão da dádiva de sangue como uma “discriminação”.

O BE, que requereu esta audição, considerou ainda que a interpretação do instituto “viola a decisão e o espírito” de uma resolução do parlamento estabelecida em 2010 que recomendou ao Governo abolir qualquer discriminação dos homossexuais e bissexuais nos serviços de recolha de sangue.

Nessa resolução recomenda-se a reformulação de todos os questionários que contenham enunciados homofóbicos, nomeadamente em relação a questões relativas a relações sexuais entre homens.

A mesma resolução de 2010, aprovada sem votos contra, recomenda a elaboração de um documento por parte do governo que proíba expressamente a discriminação dos dadores com base na sua orientação sexual.

O governo decidiu a este propósito criar um grupo de trabalho no IPST, que até ao momento não apresentou conclusões, como admitiu Hélder Trindade, garantindo apenas que deverá haver conclusões "em breve".

Hélder Trindade frisou que o “IPST não tem preconceitos” e que debate estes assuntos com um olhar “técnico e científico”.

ILGA acusa presidente do IPST de declarações discriminatórias 

A ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero) acusou o presidente do Instituto Português do Sangue de fazer declarações irresponsáveis e discriminatórias ao dizer que as pessoas homossexuais só podem dar sangue se estiverem em abstinência sexual.

“São [declarações] de uma extrema irresponsabilidade e absolutamente discriminatórias. Irresponsabilidade porque, antes de tudo, para ter um sangue de qualidade os critérios têm de ser os comportamentos e não a orientação sexual”, defendeu a presidente da ILGA, em declarações à Lusa.


Isabel Advirta sublinhou que não pode ser o fator ‘com quem se teve sexo’ a definir o grau de risco de uma dádiva, mas sim os comportamentos.

Para a responsável, esta posição do presidente do IPST vai contra “várias posições internacionais” e uma recomendação da Assembleia da República, para que “a discriminação dos homens que têm sexo com homens fosse terminada”.

“Não só ignora estas recomendações, como apela à estigmatização à custa das pessoas que são alvo desta estigmatização e o pior de tudo é que utiliza argumentos científicos sem fundamento para continuar a explorar a discriminação que existe”, acusou.


Segundo a presidente da ILGA, “é consensual que a transmissão por via sexual não depende das práticas sexuais específicas, mas das práticas sem proteção”.

“E é por isso que são os comportamentos e não as práticas sexuais em si que são, eventualmente, um fator de risco acrescido”, apontou.


Isabel Advirta disse que a ILGA pediu recentemente uma audiência ao ministro da Saúde para, entre outros assuntos, abordar esta questão, mas lembrou que andam há cerca de dois anos a tentar perceber em que ponto está o grupo de trabalho criado em 2012 por causa desta matéria.

“Parece que não existe. Achamos que a vontade política de manter a discriminação é a regra, ignorando não só o facto de que estão a estigmatizar uma população que já é alvo de preconceito, como também as boas práticas em relação aos fatores de risco numa colheita de sangue”, adiantou.


Sobre esse grupo de trabalho, o presidente do IPSH disse, na comissão, que deverá haver conclusões “em breve” e frisou que o instituto ao qual preside “não tem preconceitos” que debate estes assuntos com um olhar “técnico e científico”.
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