«Um gigantesco polvo clientelar» - TVI

«Um gigantesco polvo clientelar»

Marinho Pinto frisou «não compreende por que é que os funcionários públicos hão-de ser mais sacrificados do que os outros sectores da população»

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O bastonário da Ordem dos Advogados criticou esta terça-feira o facto de os funcionários do Banco de Portugal ficarem isentos de algumas medidas de austeridade, notando que existe «um perigoso sentimento de revolta» contra tais injustiças.

Discursando na abertura do ano judicial, Marinho Pinto frisou que «não se compreende por que é que os funcionários públicos hão-de ser mais sacrificados do que os outros sectores da população e, sobretudo, por que é que dentro da função pública há sectores que ficam isentos de algumas medidas de austeridade e outros não».

«Por que razão os magistrados não tiveram tratamento idêntico ao dos quadros e funcionários do Banco de Portugal», afirmou o bastonário, questionando a propósito: «A independência do Banco de Portugal é mais importante para o Governo do que a independência dos tribunais?»

Nas suas palavras, há sectores e entidades que se isentaram dos sacrifícios, «sem qualquer justificação aceitável à luz dos mais elementares princípios de igualdade e de equidade».

Marinho Pinto considerou que «as gigantescas remunerações que gestores transformados em políticos e políticos transformados em gestores se atribuem uns aos outros, em lugares e cargos para que se nomeiam uns aos outros, constituem nas circunstâncias actuais uma inominável agressão moral a quem, muitas vezes, é obrigado a cortar na satisfação de necessidades essenciais».

Observou ainda que as nomeações para cargos públicos de amigos e familiares, de familiares de amigos e de amigos de familiares «multiplicam-se escandalosamente», criando no aparelho de Estado «um gigantesco polvo clientelar» cujos tentáculos se estendem já a empresas privadas, onde o Governo detém influência política.

Por outro lado, disse, continua-se a «alienar património público, em alguns casos com enorme valor estratégico para o interesse nacional, com o argumento de que o Estado não deve estar na economia, mas, estranhamente, essa alienação em alguns casos é feita a empresas propriedade de outros Estados».

Quanto à situação da justiça em Portugal, Marinho Pinto considera que tem vindo a «degradar-se, sem que se vislumbrem soluções» e criticou que no sector esteja a ser seguida uma «política errática marcada pelo populismo e por uma chocante incapacidade de responder adequadamente aos principais problemas».

O bastonário acusou o Governo de estar «declaradamente empenhado em criar condições para que em torno da justiça floresça o mesmo género de negócios privados que outros Governos criaram em torno da saúde, com destaque para essa justiça semi-clandestina que são os tribunais arbitrais em que as partes escolhem e pagam aos pseudo-juízes».

Além disso, disse, o anunciado encerramento de cerca de meia centena de tribunais em todo o país insere-se nessa estratégia de desjudicialização.

«Agora, as pessoas, além das elevadas custas judiciais que lhes são exigidas, além de todas as dificuldades que lhes são levantadas para aceder à justiça, ainda terão de percorrer, em certos casos, centenas de quilómetros para se deslocarem a um tribunal», acentuou.

Para Marinho Pinto, a justiça não pode abandonar o interior do país, pois isso representaria um «perigoso retrocesso civilizacional e uma perigosa limitação política» no acesso aos tribunais.

Criticou também o «ritmo frenético» de alterações legislativas e a «fórmula mágica» anunciada pelo Governo para «acabar com a impunidade absoluta da corrupção», eliminar os expedientes dilatórios e pôr fim aos atrasos processuais.

«Com este Governo os juízes deixarão de ser apenas julgadores e serão também procuradores e polícias, pois passarão a poder aplicar, durante o inquérito, medidas de coacção e de garantia patrimonial mais graves do que as requeridas pelo próprio MP, incluindo a prisão preventiva», criticou ainda.
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