Le Monde em Portugal: «SNS anestesiado pela austeridade» - TVI

Le Monde em Portugal: «SNS anestesiado pela austeridade»

Reportagem do jornal francês no Hospital de São João, no Porto

O retrato é do Le Monde, mas a realidade é portuguesa e respeita ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Em Portugal, o sistema de saúde está anestesiado pela austeridade», escreveu a reportagem do prestigiado diário francês, nesta quarta-feira, depois de uma visita ao Hospital de São João, no Porto.

«É um serviço de ponta, proporcionado por uma equipa entusiasta, mas cortado ao meio. (...) De um lado, um serviço que oferece todas as condições e comodidades de um hospital ultramoderno. Do outro, numa ala não renovada, [uma solução provisória com 20 anos de existência], a visão é diferente: quartos com quatro a oito camas, sem separação de cortinas, sem espaço para acomodar objetos pessoais, com casa de banho comum no corredor (...). Este serviço hospitalar, por vezes esquizofrénico, é a imagem do sistema de saúde português: está na frente em numerosos domínios, mas tem as fundações ameaçadas», observou a jornalista Mathilde Gérard.

O Le Monde, na visita guiada com o diretor do hospital portuense, António Ferreira, ficou a saber que em Portugal os doentes estão «progressivamente a tornar-se clientes», mas também que o SNS é «um orgulho», uma conquista do 25 de Abril e que colocou Portugal no ranking das nações desenvolvidas em questões de saúde, segundo a classificação da OCDE. «É o primeiro país em termos de redução da mortalidade infantil e está entre os que têm uma esperança de vida cada vez maior», destacou a reportagem.

Portugal cai no ranking da Saúde

Mas o jornal francês questionou a sobrevivência deste sistema, com as restrições orçamentais, sobretudo depois da entrada em cena da Troika. «O princípio constitucional de uma saúde de qualidade e gratuita para todos ainda está garantido?», perguntou. A resposta encontrada foi de Cristina Costa, da Direção-Geral de Saúde. «Estamos na iminência de recuar 30 anos. Temos, atualmente, o melhor sistema de saúde que o nosso país alguma vez conheceu, mas o Estado está em vias de o destruir», defendeu a dirigente portuguesa.

O tempo de espera para uma consulta menos urgente é «desencorajador» e «o objetivo a nível nacional é que a demora não ultrapasse os 11 meses», contou o Le Monde, citando António Ferreira. O diretor hospitalar é o seu guia, «um bom gestor de empresa», que lhe confessou «o seu cavalo de batalha»: «a caça às horas extraordinárias, muito custosas para a Administração, reduzidas para metade em seis anos sob a sua gestão», adiantou o diário francês.

Outra das lutas do São João é a aquisição de material e medicamentos, que forçou a associação a outros hospitais da região para compras a melhores preços. «Estou convencido que é possível manter o SNS, mas é preciso reduzir os custos e racionalizar o sistema», escreveu, citando António Ferreira.

O aumento das taxas moderadoras para o dobro, contra os 9,60 euros em 2011, também não foi esquecido pelo Le Monde, que conversou com Manuel Vilas Boas, porta-voz dos utentes da região Norte. «A 20 euros a ida às urgências, a taxa moderadora perdeu a sua função moderadora», argumentou este responsável.

Mas para o diretor do São João, o problema é mais «cultural», é uma tendência dos portugueses para recorrerem às urgências sempre que têm queixas. «Em Portugal, o número de urgências é mais elevado que no resto da Europa: 700 urgências por ano por 1000 habitantes, enquanto a média europeia é de 400», acrescentou o chefe dos serviços de urgência, João Sá.
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