Da operação militar especial à guerra: a posição da China está a mudar e isso pode isolar Vladimir Putin - TVI

Da operação militar especial à guerra: a posição da China está a mudar e isso pode isolar Vladimir Putin

Azeredo Lopes, ex-ministro da Defesa, aponta inversão na estratégia da China em relação ao conflito na Ucrânia. Coronel Mendes Dias admite que possa tratar-se de uma manobra coordenada com a Rússia, que quer negociar com Kiev numa posição de força

A posição do governo chinês em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia está a mudar, de forma subtil mas muito significativa. E a mudança começa com um jogo de palavras: o regime de Xi Jinping deixou de se referir à agressão de Moscovo como uma "operação militar especial" – e são estas as palavras usadas sempre pela Federação Russa – para falar explicitamente numa "guerra". 

"Isto pode parecer algo não muito interessante para quem não se interessar pelas relações internacionais, mas falar-se em guerra quando a Rússia mantém o termo operação militar especial é um sinal muitíssimo claro de que a China está a ficar cada vez mais desgostosa com o que está a acontecer, inclusive com a situação dos seus nacionais que estão envolvidos neste conflito", aponta Azeredo Lopes, ex-ministro da Defesa e comentador da CNN Portugal.

Lembrando o exemplo histórico de Manchukuo, Azeredo Lopes assinala que a China "sabe do que fala" porque foi uma das primeiras vítimas deste jogo de palavras. "Nos anos 30 [do século passado], quando foi invadida pelo Japão a propósito daquilo que foi a criação do estado fantoche de Manchukuo, era uma guerra e o Japão dizia que era uma mera ação de polícia", acrescenta o ex-governante. 

Se o aparente desagrado da China com a guerra na Ucrânia vai mudar o rumo das negociações entre Moscovo e Kiev agendadas para a noite desta quarta-feira, Azeredo Lopes admite que a Rússia parte em desvantagem, já que a Ucrânia segue "mais confiante do que estava na primeira sessão" das conversações para um eventual cessar-fogo. 

Desde segunda-feira, data do primeiro encontro entre as delegações russa e ucraniana em solo bielorruso, o ex-ministro da Defesa aponta duas mudanças que são "francamente más" para a Rússia: não apenas a mudança de posicionamento da China mas também o protagonismo assumido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no apoio às causas do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

China não se junta às sanções à Rússia

Apesar destas mudanças ao nível do posicionamento internacional, esta quarta-feira a China assumiu que não irá juntar-se aos Estados Unidos e à União Europeia nas sanções económicas aplicadas à Rússia. 

"Não aderiremos a tais sanções e vamos manter as trocas económicas, comerciais e financeiras normais com todas as partes relevantes. Desaprovamos as sanções financeiras, principalmente as que são lançadas unilateralmente, porque não têm grande base legal e não terão bons efeitos", disse Guo Shuqing, presidente da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China, em conferência de imprensa. A China, recorde-se, é um grande importador de petróleo e gás russos.

Para o coronel Mendes Dias, a China pode entrar nesta fase do conflito entre Moscovo e Kiev apenas como um auxiliar de Putin, o que permitirá ao país asiático manter uma boa imagem perante os parceiros internacionais. Uma manobra que surge numa fase em que os objetivos da Rússia, ainda que limitados pela resistência ucraniana, "podem estar a ser concluídos" e, por conseguinte, "estão criadas as condições para a China ter um papel de relevo na lógica da mediação".

Assumindo que não se sabe se houve conversas entre Vladimir Putin e Xi Jinping, respetivamente os presidentes da Rússia e da China, mas que essa é uma hipótese muito provável, Mendes Dias refere mesmo que a mudança de comportamento do regime chinês surgirá em coordenação com a Rússia. "Há com certeza atores internacionais, com os quais não estamos a contar, e que podem induzir uma mudança comportamental", diz à CNN Portugal. "As tropas russas estão a consolidar posições para negociar numa posição de força", acrescenta.

Possibilidade de mediação chinesa

Apesar de continuar a evitar as críticas diretas a Moscovo, na terça-feira ao fim do dia o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, falou por telefone com o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, e dessa conversa saiu a possibilidade de Pequim poder mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia. 

Segundo Kuleba, o chefe da diplomacia chinesa assegurou que a "China está pronta para fazer todos os esforços para por fim à guerra em solo ucraniano através da diplomacia, incluindo como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU". E se há poucos dias a China recusava usar as palavras "agressão" ou "invasão" para descrever a situação em solo ucraniano, numa declaração publicada no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang mostrou-se "extremamente preocupado com os danos causados sobre civis" pelos ataques russos a cidades ucranianas.

A China tem mesmo em curso uma operação de grande escala para retirar da Ucrânia cerca de mil cidadãos nacionais que ali estavam radicados, por considerar que deixaram de ter condições de segurança. 

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