A Falácia da Liberdade de Escolha das Escolas - TVI

A Falácia da Liberdade de Escolha das Escolas

    Alberto Veronesi
    Professor do 1.º ciclo na Escola Manuel Teixeira Gomes, em Chelas, Lisboa
  • 9 mai, 10:07
Escola

Sempre que em Portugal temos um governo mais à “direita”, e menos social democrata como seria o expetável quando ganha o PSD, a ideia de que a "liberdade de escolha" das escolas, através de mecanismos como o cheque-ensino ou os contratos de associação, melhora a qualidade da educação é frequentemente propagada pelos defensores da privatização do ensino.

No entanto, se quisermos ser um pouco mais rigorosos e se nos dermos ao trabalho de fazer uma revisão da literatura científica, chegamos facilmente à conclusão de que essa crença não se sustenta em evidências empíricas. Na verdade, somos confrontados com vários estudos que demonstram que tais políticas tendem a exacerbar as desigualdades sociais e a prejudicar o desempenho geral dos sistemas educativos.

Por esse motivo, tentarei, nas próximas linhas, fazer uma análise crítica da falácia da "liberdade de escolha" nas escolas, com base em pesquisas internacionais e exemplos concretos de países que implementaram esse tipo de políticas. Perceberemos que, em vez de promover a equidade e a qualidade da educação, essas medidas geraram segregação, elitização e fragmentação do sistema educativo.

Para aqueles que defendem a liberalização do ensino, a promessa de "liberdade de escolha" nas escolas tem sido um dos principais argumentos.  A ideia central é a de que os pais devem ter o direito de escolher a escola que seus filhos frequentam, independentemente da sua localização ou classe social. Essa escolha, segundo os seus defensores, levaria a uma maior competição entre as escolas, o que, por sua vez, resultaria numa melhor qualidade da educação.

Mas, na realidade, o que as evidências empíricas nos revelam é precisamente o contrário. Diversos estudos internacionais demonstram que a "liberdade de escolha" nas escolas, através de mecanismos como o cheque-ensino ou os contratos de associação, não só não melhora a qualidade da educação como, em muitos casos, a prejudica.

Um dos principais problemas da "liberdade de escolha" nas escolas é que ela tende a agravar as desigualdades sociais já existentes. Pois, as famílias mais ricas, com maior poder económico, podem escolher escolas privadas de alto nível, que tendem a fazer seleção de alunos, enquanto as famílias mais pobres ficam relegadas às escolas públicas, obrigadas a aceitar qualquer inscrição, tornando-as com altos níveis de indisciplina e por sua vez com baixos índices de qualidade. Obviamente, isso resulta num sistema educativo cada vez mais segregado e desigual.

Diversos países que implementaram políticas de "liberdade de escolha" nas escolas, como Suécia, Chile e Estados Unidos, apresentam resultados preocupantes. Nesses países, observa-se um aumento da segregação social nas escolas, uma diminuição do desempenho geral dos alunos e um crescente elitismo no sistema educativo.

Não sou eu que digo, são vários autores que investigaram esta temática em diversos países. Na Suécia, Johan Wennström, sociólogo da Universidade de Estocolmo, têm realizado pesquisas que demonstram os efeitos negativos da "liberdade de escolha" nas escolas. No seu livro "School Choice and Social Segregation: Evidence from Sweden", Wennström apresenta dados que comprovam como a política de cheques-ensino na Suécia contribuiu para o aumento da segregação social nas escolas daquele país. Ou ainda, Andreas Bergh, também Sociólogo, da Universidade de Uppsala, nos vários estudos que fez, analisa os efeitos da política de cheques-ensino na segregação social e na desigualdade educacional na Suécia.

Já pelo Chile, José Weinstein, Sociólogo e ex-ministro da Educação do Chile critica a política de vouchers implementada no Chile e argumenta, com dados empíricos, que estes contribuíram para a segregação social e a elitização do sistema educativo.

Também Ernesto Schiefelbein, Economista e especialista em educação, apresenta dados que demonstram que a política de vouchers não teve um impacto positivo na qualidade da educação no Chile, bem pelo contrário.

Ainda no Continente Americano, mas agora nos Estados Unidos da América, a historiadora da educação, Diane Ravitch crítica, no seu livro "The Death and Life of the Great American School System", a política de vouchers. Ravitch argumenta que a política de vouchers está a destruir o sistema público de ensino nos Estados Unidos.

Também Jonathan Kozol, educador e ativista pelos direitos civis, nos seus livros, denuncia a segregação racial e social nas escolas públicas dos Estados Unidos devido às políticas adotadas nas últimas décadas.

Perante estas evidências, podemos nós, professores, ficar em silêncio quando confrontados com a possibilidade de em Portugal adotarmos estas políticas? Claro que não!

Está mais que comprovado que a "liberdade de escolha" nas escolas é uma falácia que mascara um projeto de privatização do ensino. Foi assim “lá fora” e será assim por cá. As evidências empíricas são clarividentes, pois demonstram que essas políticas não só não melhoraram a qualidade da educação como, em muitos casos, a prejudicaram. Por esse motivo, é necessário continuar a defender um modelo de educação pública de qualidade, equitativa e verdadeiramente inclusiva, que garanta o direito à educação para todos, independentemente de sua origem socioeconómica.

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