O principal opositor de Vladimir Putin foi dado como morto pelas autoridades russas. A notícia foi avançada pela Reuters, que cita fonte dos serviços prisionais russos da região de Yamalo-Nenets, onde Alexei Navalny estava a cumprir pena.
Num comunicado publicado no site do Serviço Federal Penitenciário de Yamalo-Nenets pode ler-se que Navalny "tinha-se sentido mal" depois de uma caminhada esta sexta-feira e "perdeu a consciência quase de imediato".
A mesma fonte adianta que foram chamadas equipas de socorro mas que os profissionais de saúde foram incapazes de ressuscitar o principal opositor de Vladimir Putin. O óbito foi declarado no local. A agência russa TASS avançou entretanto que Vladimir Putin já foi informado pelo Kremlin.
O assessor de Navalny, Leonid Volkov, disse no X que existe uma gravação em que elementos das autoridades russas confessam ter matado Alexei Navalny, ressalvando que não tem qualquer forma de verificar a veracidade desta acusação.
"As autoridades russas publicam uma confissão de que mataram Alexey Navalny na prisão. Não temos qualquer forma de o confirmar ou de provar que não é verdade. O advogado de Navalny está a caminho de Kharp", pode ler-se.
Russian authorities publish a confession that they killed Alexey Navalny in prison.
We do not have any way to confirm it or to prove this isn’t true.
Navalny’s lawyer is on the way to Harp.
— Leonid Volkov (@leonidvolkov) February 16, 2024
“A ideia de que Putin se contentaria era ingénua"
Numa das últimas declarações nas redes sociais, datada de 9 de janeiro e publicada a partir da prisão, Navalny disse que os guardas da prisão de Kharp o acusaram de se recusar a “apresentar de acordo com o protocolo” e que lhe impuseram sete dias na solitária.
“A ideia de que Putin se contentaria com enfiar-me numa fortaleza no polo norte e deixaria de me torturar na cela de confinamento era não só cobarde como também ingénua”, escreveu Navalny.
A última declaração foi mesmo de amor e dirigida à companheira - fê-lo no dia dos namorados, esta quarta-feira: "Sinto que estás perto a cada segundo e amo-te cada vez mais ❤️", escreveu pela última vez Alexei Navalny.
Крошка, у нас с тобой все как в песне: между нами города, взлетные огни аэродромов, синие метели и тысячи километров. Но я чувствую, что ты рядом каждую секунду, и я люблю тебя все сильнее ❤️ pic.twitter.com/gnnTf7RYrR
— Alexey Navalny (@navalny) February 14, 2024
Para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o responsável pela morte de Navalny é o presidente russo. “É óbvio que Navalny foi morto por Putin", garante, sublinhando que o caso do opositor deve levar o chefe de Estado da Rússia a “perder tudo e ser a responsabilizado pelos seus atos”.
Na mesma linha, através da rede social X, o presidente do Conselho da UE, Charles Michel, salientou que Bruxelas “considera o regime russo o único responsável por esta morte trágica”. “Alexei Navalny fez o derradeiro sacrifício pelos valores da liberdade e da democracia.”
Alexei @navalny fought for the values of freedom and democracy. For his ideals, he made the ultimate sacrifice.
The EU holds the Russian regime for sole responsible for this tragic death.
I extend my deepest condolences to his family. And to those who fight for democracy around…
— Charles Michel (@CharlesMichel) February 16, 2024
"A Rússia é responsável por isto", vincou o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante uma deslocação a Munique esta sexta-feira. "Por mais de uma década, o governo russo - Putin - processou, envenenou e prendeu Alexey Navalny e agora há relatos de sua morte. Em primeiro lugar, se esses relatos forem precisos, os nossos corações estão com a sua esposa e com a sua família."
O secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou estar "profundamente triste e perturbado" com a morte de Navalny. “Temos de apurar todos os factos e a Rússia tem de responder seriamente a todas as perguntas sobre as circunstâncias da morte de Navalny.”
Já o Governo português prestou homenagem a Navalny através de uma publicação do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, e responsabiliza Putin pelo sucedido.
Presto homenagem a Alexei Navalny, que resistiu ao regime de Putin e lutou pela democracia na Rússia.
Putin, que exerceu o seu poder arbitrário prendendo-o em circunstâncias cada vez mais draconianas, é responsável pela sua morte.
Condolências à família e ao povo russo. pic.twitter.com/qs8iGgYeQe
— João Cravinho (@JoaoCravinho) February 16, 2024
“Não quero ouvir nenhuma condolência”, pediu entretanto a mãe de Navalny, Lyudmila Navalnaya, que conta que quando viu o filho pela última vez na prisão, na segunda-feira, ele estava “saudável e alegre”. “Não quero ouvir nenhuma condolência. Vimos o nosso filho na prisão no dia 12, durante a visita. Ele estava vivo, saudável e alegre”, disse ao canal de notícias independente russo Novaya Gazeta.
O Kremlin também já reagiu através do Ministério dos Negócios Estrangeiros classificando a morte como "uma tragédia", mas acusou os Estados Unidos da América de fabricarem "acusações infundadas" antes de sair qualquer relatório forense.
Última aparição de Navalny
A última aparição de Navalny tinha sido num vídeo reproduzido em tribunal e onde surgia a sorrir e a gracejar, a partir da colónia penal no Ártico onde estava a cumprir uma pena de 19 anos de prisão.
As imagens foram partilhadas pelas agências de notícias russas. Navalny surgiu com roupa prisional preta vestida e cabelo rapado, numa transmissão televisiva em direto da colónia penal de “regime especial”.
Nas imagens de vídeo e nas notícias da comunicação social sobre a audiência, Navalny, de 47 anos, falou no seu habitual tom irónico sobre as saudades que tinha dos guardas da sua antiga prisão e dos funcionários do tribunal de Kovrov e gracejou sobre a inóspita prisão no extremo norte da Rússia.
“As condições aqui - e dirijo-me a vós, estimados arguidos - são melhores que na IK-6 em Vladimir”, declarou o opositor de Putin, usando o acrónimo da colónia penal.
“Existe, contudo, um problema – e não sei em que tribunal posso apresentar uma queixa sobre isso: o clima aqui é mau”, acrescentou com uma gargalhada.
Navalny foi transferido em dezembro para Kharp, a colónia penal de “regime especial” - o mais elevado nível de segurança das prisões na Rússia -, para cumprir pena por acusações de extremismo.
Passou meses em isolamento na Colónia Penal N.º 6 antes de ser para ali transferido. Foi repetidamente colocado de castigo numa cela minúscula devido a alegadas infrações, como abotoar incorretamente o seu uniforme prisional.
A família
Alexei Navalny era casado com Yulia Navalnaya, 47 anos, e tinha dois filhos: Daria Navalnaya, 23 anos, e Zahar Navalny, 15.
Yulia é economista, filha do cientista Boris Aleksandrovich Abrosimov e sobrinha de Elena Borisovna Abrosimova, uma das autoras da Constituição russa. A mulher de Navalny é uma figura muito mediática e vista por muitos russos como “primeira-dama”. Conheceram-se numas férias na Turquia, em 1998, e casaram-se dois anos depois.
A filha, Daria, tornou-se conhecida depois de conduzir uma TED Talk sobre as lições que o pai lhe deixou depois de ser preso. Em 2021 recebeu pelo pai o "Moral Courage Award", na 13ª edição do Geneva Summit for Human Rights and Democracy.