Oitenta e quatro anos feitos, um novo livro recentemente somado a uma bibliografia já extensa - «As pequenas memórias» - José Saramago confessa ter tentado sempre «não fazer nada na vida que envergonhasse o menino» que foi.
A confissão ficou expressa numa entrevista à agência EFE, concedida a duas semanas do lançamento em Espanha da tradução castelhana do livro. Assina a tradução - «Las pequeñas memórias» - a mulher do escritor, Pilar del Rio.
«Sempre trouxe dentro de mim - disse Saramago - o menino que fui, e, agora, esse menino continua a ter para mim a mesma importância que tinha quando se encontrava sozinho no meio do campo, olhando para as coisas e descobrindo o mundo».
Ana Mendoza, a entrevistadora, anota a dado passo que, como noutros livros de Saramago, Nobel da Literatura 1993, neste novo «há emoção, humor, ternura e fina ironia».
«Mas não há nenhuma ficção», faz questão de frisar o escritor, assegurando ter procurado «definir os factos com a maior clareza possível» e feito «o possível para que a literatura não entrasse neste livro».
O cenário é o da Azinhaga, a aldeia onde nasceu em 1922 e à qual, criança e adolescente, voltou com frequência, o que lhe permitiu, adulto, recordar com facilidade a paisagem que a rodeava e os longos passeios pelas margens dos dois rios mais próximos, o Almonda e o Tejo.
O poder da memória permitiu-lhe também evocar a relação que manteve com a família e os amigos, os primeiros êxitos no colégio, a iniciação sexual e a escassa atenção que sempre devotou à religião.
Recordar, todavia, observa Ana Mendoza, «nem sempre é grato e em mais de uma ocasião o escritor teve dúvidas quanto a incluir ou não no livro algumas vivências dolorosas, como a injusta bofetada que o seu pai lhe deu ou os maus tratos frequentes que este infligia à sua mãe.
Num plano especial do seu afecto, o autor coloca os avós maternos, Josefa e Jerónimo, este último «um homem sábio, calado» que, quando pressentiu a aproximação da morte, se despediu de todas as árvores da sua quinta, «das sombras amigas, dos frutos que não voltaria a comer».
«Se se tratasse de uma pessoa culta - comentou Saramago na entrevista -, poderia entender-se algo tão bonito como isto, mas o meu avô era analfabeto, um pastor, e pergunto-me que tinha ele dentro do seu coração e da sua mente para despedir-se das árvores desta forma».
Por isso, disse, «se se tem a sorte de ter um avô assim, há que agradecê-lo à vida».
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Saramago <i>abre o livro</i>
- Portugal Diário
- 9 jan 2007, 22:06
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Prémio Nobel da Literuatura fala sobre a obra e a vida
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