«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.
Éder Bonfim chegou a Portugal em 2002, vindo de um município no interior do Brasil (Inhumas, no estado de Goiás) com apenas 53 mil habitantes. Entrou por uma porta demasiado grande, viu-se em Lisboa e no Benfica com 21 anos e não conseguiu garantir a continuidade no clube encarnado.
O lateral direito fez apenas meia época no Benfica mas demonstrou a sua qualidade mais tarde, nas passagens por Estrela da Amadora, Sporting de Braga, Vitória de Setúbal e União de Leiria. Jogou ainda na Roménia e no Azerbaijão antes de terminar a carreira e fixar-se em definitivo em Portugal, um país com qualidade de vida, salienta.
O último jogo foi disputado um julho de 2013, pelo Khazar, para as pré-eliminatórias da Liga Europa. Éder Bonfim tinha 32 anos, foi para o Brasil ainda com a ambição de arranjar clube, regressou ao nosso país com o mesmo objetivo mas as portas já estavam fechadas. Tinha chegado a hora de pendurar as chuteiras.
Depois de um período de indefinição, o antigo lateral entrou para uma empresa de segurança em 2015 e trabalha desde essa altura como vigilante num condomínio fechado em Lisboa. Sem qualquer tipo de embaraço.
«Quando saí do Azerbaijão estive no Brasil, mas não me adaptei ao Rio de Janeiro. Tenho passaporte português, estou perto da família portuguesa e aqui vive-se uma vida mais tranquila, mais segura», começa por explicar, em entrevista ao Maisfutebol.
Aceitar o fim da carreira como jogador e mudar para um novo contexto não foi um processo fácil, naturalmente. «No início foi complicado, estive um ano e pouco sem fazer nada. Quando voltei para Portugal, ainda tentei arranjar alguma coisa, mas só apareceram clubes pequenos, que não compensavam. Quando estás bem é só amigos, mas depois já ninguém se lembra de ti, é assim. A minha esposa incentivou-me a seguir em frente, arranjei um trabalho e com o tempo foi-se tornando tudo mais fácil.»
«Tirei um curso de vigilante e trabalho na empresa FGB Segur há cinco anos. Sei que há muita gente que deixa o futebol e tem vergonha em aparecer em trabalhos destes, só porque foram jogadores, mas isso para mim não faz confusão. Aliás, também há muitos que não andam de transportes públicos por causa disso, mas eu quando posso vou de comboio para o trabalho, é bem mais prático», salienta Éder Bonfim.
O ex-jogador mora na zona do Parque das Nações e trabalha diariamente num condomínio em Campolide: «Mal comecei, vim logo para este condomínio. Vim fazer uns dias e tive sorte, porque um dos rapazes emigrou e pediram-me para ficar. Até hoje. Gosto do que faço, é trabalho, só não gosto de fazer as noites (23h00-07h00), mas tem de ser.»
«Temos a nossa casinha no condomínio com frigorífico, micro-ondas, até uma casa de banho própria, portanto não me queixo. Estamos ao lado do portão a controlar o movimento, a dar entrada à empregada de limpeza, às empresas de manutenção, etc. Depois, também fazemos as nossas rondas», explica.
Éder Bonfim fez apenas cinco jogos pelo Benfica em 2002. Qual seria a probabilidade de encontrar nesse condomínio específico, muito anos depois, um jovem com uma bola de futebol do clube encarnado autografada por si? «Um senhor do condomínio contou-me que o filho dele tem uma bola do Benfica autografada por mim. Muita gente lá sabe que eu joguei no Benfica, param lá na casinha para falar comigo do Benfica, faço gosto nisso, sem problema.»
Aos 39 anos, o antigo lateral direito sente-se feliz na sua nova pele. Conseguiu poupar ao longo da carreira como jogador profissional e apostou numa profissão que lhe confere estabilidade: «Felizmente consegui juntar alguma coisa, não ganhei milhões mas tenho a minha casa, o meu carro e conseguimos passar as nossas férias. As férias são sagradas, de resto nunca fui de luxos. Ainda tivemos um negócio quando eu estava a jogar na Roménia, não correu bem mas consegui recuperar. Agora prefiro um emprego estável, porque quando investes depois de parar de jogar e corre mal, podes ficar ainda pior.»
Para matar as saudades do futebol, Éder Bonfim vai participando em torneios MasterFoot. «Mantenho-me em forma e divirto-me a jogar pelos Prodígios. De resto, vou de vez em quando ao estádio, vejo um ou dois jogos por semana, mas o tempo ao fim de semana é para a família», remata.
Recuando ao início desta história. Em 2002, o Benfica investiu num quinteto de reforços que gerou sentimentos mistos junto dos adeptos. Perante um Estádio da Luz parcialmente demolido, o clube apresentou Emílio Peixe, George Jardel, Anderson Luiz, Éder Bonfim e Cristiano.
Éder Bonfim tinha 21 anos, vinha do modesto Grémio Inhumense e revela que o destino inicial era o Vitória de Setúbal: «Foi o Jorge Jesus que me viu no Brasil, eu era para ir para o Vitória de Setúbal mas depois acabei no Benfica. Senti muito a mudança para o Benfica, foi uma mudança muito grande, porque eu vinha de um clube pequeno, com 500 adeptos nas bancadas, vinha de uma cidade do interior e vim sozinho para Lisboa.»
«A minha adaptação não foi fácil e não consegui estar mais tempo no Benfica, também porque o Benfica não estava numa fase muito boa. Tinha o Tiago, o Simão, o Nuno Gomes, de resto eram jogadores muito velhos. Aquele Benfica não tinha equipa para o FC Porto do Mourinho», reconhece o antigo lateral.
Foi um FC Porto-Benfica em outubro de 2002, precisamente, a marcar a curta passagem do jovem brasileiro pelo clube encarnado: «Nunca esqueci esse jogo. O jogo estava a correr-me bem, fiz o cruzamento para o golo do Benfica mas depois, num lance infeliz, após um cruzamento do Paulo Ferreira, tentei cortar a bola e marquei um autogolo».
O Benfica marcou por Tiago (4m), o FC Porto empatou com o autogolo de Éder Bonfim (20m) e ficou em inferioridade numérica ao minuto 39, quando Jorge Costa viu o segundo cartão amarelo. Porém, os dragões garantiram o triunfo no Estádio das Antas (2-1). «Na segunda parte, o Deco fez lá uma fita, eu nem lhe toquei, mas o árbitro marcou falta e deu-me o segundo amarelo. Naquela altura não havia VAR, senão tinha anulado o vermelho. Depois, no livre, o Moreira estava na baliza, o Deco fez um grande arco e marcou», recordou Éder Bonfim.
Esse foi o segundo jogo de cinco que o brasileiro fez pelo clube encarnado. Foram três vitórias e, pouco depois da segunda derrota (frente ao Varzim, fora de casa), tudo mudou: «O Benfica perdeu com o Varzim, depois perdeu com o Gondomar para a Taça e o Jesualdo Ferreira saiu. Com ele, eu estava a jogar, mas depois veio o Camacho, mudou aquilo tudo e eu fui emprestado ao Estrela da Amadora do Jorge Jesus, que estava na II Liga».
«O Estrela foi importante porque voltei à minha realidade do Brasil, os adeptos mais perto dos jogadores, joguei em estádios pequenos e fui trabalhar com o mister Jesus, que ainda não conhecia. Foram meses muito bons, tivemos a subida de divisão e depois o Jesualdo Ferreira levou-me para Braga», explica o antigo jogador.
Éder Bonfim arrancou para temporadas de grande nível, comprovando o seu potencial: «Joguei quase sempre no Sporting de Braga, tínhamos uma boa equipa e conseguimos ir às competições europeias. O Braga começou a reerguer-se a partir daí, hoje em dia é um dos grandes».
«Fui depois para o Vitória de Setúbal e correu bem em termos desportivos, vencemos a Taça de Portugal numa final inesquecível frente ao Benfica. Foi uma festa que nunca vou esquecer. Depois do Benfica, o clube que mais gostei de representar foi o Setúbal, pela cidade, pelos adeptos que gostam do clube. Se tivesse algum investidor como o Salvador em Braga, o Vitória seria um grande», acredita Éder.
Em 2005, o lateral direito chega a Leiria para um ciclo de três épocas com a camisola da União: «A primeira época que fiz lá foi das melhores em Portugal. O Jorge Jesus saiu no fim desse ano e quis levar-me para o Belenenses, mas tive receio porque o Belenenses estava a disputar a vaga com o Gil Vicente, por causa do caso Mateus, e não fui. Foi pena, porque gostei muito de trabalhar com o Jorge Jesus. Em Leiria, também fui treinado pelo Vítor Oliveira, um treinador espetacular, frontal, cinco estrelas, que marcou o futebol português.»
«No final da terceira época, a União de Leiria desceu de divisão e surgiu uma proposta do Poli Timisoara da Roménia. Estive lá três anos, num país muito pobre, muito frio, com uma mentalidade complicada, mas tive momentos felizes. Pelo Steaua Bucareste, marquei um golo ao Liverpool para a Liga Europa, um frango do Pepe Reina. Só não passamos o grupo por causa do Cavani, que marcou dois golos contra nós pelo Nápoles. Depois, ganhei uma Taça da Roménia», resume Éder Bonfim.
A carreira profissional de jogador terminou no Azerbaijão, com a camisola do Khazar, vencendo uma Supertaça: «Fiquei lá três anos e senti que envelheci seis! Eu ficava em Lankara, o clube tinha uma estrutura muito boa, mas o resto era só deserto. Tínhamos de fazer 200 quilómetros até Baku em estrada nacional, durante quatro ou cinco horas, só para jogar. Mas ali que terminei uma carreira boa, uma carreira de que me orgulho.»
«Em cinco anos, porque nem conto aqueles meses no Benfica, fiz cerca de 130 jogos na Liga portuguesa. Não é para qualquer um. Podia ter sido melhor, mas agradeço só pela carreira que tive», remata Éder Bonfim, com uma paz de espírito inabalável.