«Percebi que era preciso beneficiar o Gondomar» - TVI

«Percebi que era preciso beneficiar o Gondomar»

Valentim Loureiro no início do julgamento do caso Apito Dourado (João Abreu Miranda/LUSA)

Apito: árbitro que espoletou o caso recorda conversa com Valentim

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Rui Mendes, o árbitro que espoletou o caso «Apito Dourado», sentia-se prejudicado com as classificações. A gota de água foi o jogo Campomaiorense-Leiria, em Outubro de 2000. «Achei que estava a ser prejudicado e decidi falar com o então presidente da Liga, Valentim Loureiro».

«Vim a Gondomar falar com o major», contou o ex-arguido, em tribunal. Quem lhe ligou a agendar o dia do encontro foi o vice-presidente da autarquia, José Luís Oliveira, também presidente do Gondomar (GSC), facto que a testemunha desconhecia.

Recorda-se que na altura em que se dirigiu à Câmara foi recebido por Oliveira, a quem se juntou Valentim. «Lembro-me que o senhor major disse que a minha classificação era preocupante, que eu estava em maus lençóis».

O árbitro respondeu-lhe que estava mais preocupado em perceber o que se tinha passado no Campomaiorense-União de Leiria.

«Mande-me o homem que ele aceita»

A «classificação é recuperável», ter-lhe-á dito Valentim, que saiu da sala, deixando-o a sós com o presidente do clube de Gondomar.

Nessa altura, José Luís Oliveira relatou-lhe as dificuldades por que o clube passava. De seguida, «perguntou-me se eu estava preparado para fazer o jogo do Gondomar». «Eu disse que sim».

Acto contínuo, o presidente do GSC «pegou no telefone fixo» e terá dito a alguém, que Rui Mendes não conseguiu identificar: «Mande-me o homem que ele aceita. E para o Gondomar-Bragança mande-me o Vasco Vilela». «O que sei é que as nomeações se confirmaram», disse.

A designação dos árbitros competia ao Conselho de Arbitragem da Federação, presididido por Pinto de Sousa e integrado por Francisco Costa, também arguido no processo.

«Vinha denunciar uma situação e já estava metido noutra»

«Para bom entendedor, meia palavra basta». «Entendi que eventualmente o jogo era para beneficiar o Gondomar». «Vinha denunciar uma situação e já estava metido noutra», contou a testemunha.

«A sua contrapartida era não descer de categoria?», questionou o procurador, ao que Mendes respondeu: «Não sou burro e quando o major disse que a situação era recuperável, percebi que estava ali qualquer coisa».

O jogo ficou empatado e o Gondomar não desceu de divisão. «O Gondomar teve mais sorte do que o senhor, não é?», inquiriu o procurador, numa alusão ao facto de o árbitro ter descido de categoria.

Questionado sobre se recebeu alguma oferta, esclareceu que não. «Não houve oferta nenhuma».

«De onde retirou que era pedido que beneficiasse o Gondomar?

À pergunta do advogado de Oliveira, [«De onde retirou que era pedido que beneficiasse o Gondomar?»], a testemunha respondeu de forma categórica: «Quando me perguntam se estou preparado para apitar o Gondomar e se aceito, para mim são sinais suficientes».

Momentos antes, o árbitro tinha admitido em audiência: «Entendi perfeitamente que era preciso beneficiar o Gondomar». O jogo em causa constava da acusação, mas caiu na fase instrutória.

«O senhor José Oliveira pediu-lhe para beneficiar o Gondomar?», inquiriu o advogado Artur Marques. «Nesses termos, não», respondeu. «E ofereceu-lhe alguma coisa?», insistiu o causídico. «Não».

Ao longo da carreira, Rui Mendes recebeu várias lembranças. «Relógios (de pequeno valor), doçaria da região», «sempre no final dos jogos».

«Alguma vez recebeu objectos em ouro?», questionou o juiz. «Sim, já recebi uns apitos pequeninos em ouro». «Apitos Dourados, portanto», ironizou Caneiro da Silva, arrancando uma gargalhada da sala.

Aos jornalistas, Rui Mendes confessou que não imaginava a dimensão do problema no futebol. «Sou a besta negra da arbitragem, manda quem pode e obedece quem tem juízo. Eu não tive juízo», acrescentando que «se fosse hoje, teria feito as coisas de outra maneira», numa alusão ao facto de ter denunciado o caso. «Fiz as denúncias em 2001 e só em 2003 começaram as escutas», estranhou.

O julgamento prossegue amanhã com a audição de mais cinco testemunhas, entre elas Carolina Salgado.
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