Denunciou, mas o Governo traiu-a - TVI

Denunciou, mas o Governo traiu-a

Alice Marques

E-mail que enviou foi parar às mãos «erradas». Com a ajuda do Estado

Relacionados
Escreveu um e-mail ao Governo, denunciando o que considera ser uma dívida fiscal de uma empresa. As perguntas que enviou ao cuidado do Ministério das Finanças acabaram na mão da administradora da firma para a qual trabalhava. O resultado foi penoso para a carteira. A empresa estava em processo de dissolução e da indemnização que lhe cabia foram retirados 3500 euros. O «castigo», como lhe chama Alice Marques, foi-lhe apresentado sem escapatória possível. «Disseram-me que ou levava este montante ou não levava nada, e tinha uma suspensão por processo disciplinar».

O dia, não o esquece: «Se não estivesse sentada, tinha caído para o lado», diz Alice Marques ao PortugalDiário, revivendo o momento em que a administradora, com uma cópia do e-mail que a então funcionária tinha colocado no portal do Governo, questionou a sua lealdade para com a empresa.

No portal, Alice desabafou. O espaço, dedicado ao cidadão, no qual o Executivo promete responder às dúvidas dos portugueses, tem explícitas regras de confidencialidade.

A ex-funcionária explica que escrevia como cidadã com «os impostos em dia». E queria saber se era ou não verdade que às Fábricas Mendes Godinho, participadas em 75 por cento pela Parpública, tinha sido perdoada uma dívida fiscal. «Quando faço a pergunta no portal do Governo é na qualidade de contribuinte e não de trabalhadora da empresa», ressalva.

O portal do Governo funciona como um espaço onde é possível colocar dúvidas ou até sugestões, que são reencaminhadas posteriormente para os ministérios competentes. Daí, os e-mails são reenviados para as secretarias de Estado aptas a analisar a pergunta. «Estava à espera que o percurso do meu e-mail fosse parar na Direcção-Geral de Contribuições e Impostos. Esperava duas respostas, que aceitava igualmente sem questionar: ou que iriam investigar ou que estava tudo regularizado».

O que Alice não esperava é que «as mensagens fossem para às mãos da administradora» da Fábricas Mendes Godinho, em Tomar, na altura em processo de dissolução. «Trabalhei 22 anos na empresa. Era chefe dos serviços administrativos», diz Alice agora no desemprego.

Além do corte na indemnização, esta mulher fala dos danos causados pela «traição» do Estado que há meses pediu aos funcionários públicos que denunciassem situações fraudulentas e que «agora prejudica quem exerce o seu direito de cidadania». Por isso, vai processar o Estado «pela falta de respeito e violação dos direitos dos utilizadores do portal», e a empresa para que lhe seja ressarcido «o montante descontado abusivamente, sob a forma de chantagem e coação».

«É o Estado que têm o dever de preservar os direitos, liberdades e garantias de todos os portugueses. E é através de um portal do Governo que essa violação se faz?», questiona indignada.

O PDiário foi à procura do e-mail, trilhando o percurso por onde seguem as mensagens electrónicas colocadas no portal, mais de 1500 só este ano. As regras de confidencialidade foram confirmadas pelo Gabinete da Presidência do Conselho de Ministros, que tutela o portal, assegurando que «não há difusão pública» dos textos nem da identidade do cidadão. Sobre o caso concreto que expôs Alice Marques - violando identidade e correio electrónico - o PDiário não conseguiu obter resposta.

Leia aqui o percurso e a cronologia por onde «viajou» a denúncia, devidamente identificada, de Alice. Como se trata de uma denúncia fiscal, o tema está sujeito a sigilo e é impossível determinar o estado do processo, explicam-nos do gabinete de Teixeira dos Santos.

Questionada a administradora delegada na extinta Fábrica Mendes Godinho, e quadro da Parpública - empresa que agrega as participações públicas do Estado - o PortugalDiário, apesar de ter tentado por diversas vezes, não obteve resposta.
Continue a ler esta notícia

Relacionados