Sá Carneiro fez frente a Carlucci - TVI

Sá Carneiro fez frente a Carlucci

Francisco Sá Carneiro

Americano tirou-o do sério na altura em que os EUA financiaram o PS

Que os Estados Unidos financiaram o PS de Mário Soares por altura do primeiro executivo minoritário socialista já se sabe. Mas que Frank Carlucci não queria que um Governo PS/PSD ficou claro numa reunião em Cascais que quase chegou ao confronto físico. Sá Carneiro alegava - e com a razão que só o futuro pode dizer - que um executivo socialista, que tinha alcançado 35 por cento nas eleições, era um governo a prazo. Durou um ano. Carlucci por outro lado não queria Sá Carneiro como primeiro-ministro: considerava-o irascível. E teve razão: o falecido delfim da direita esteve prestes a travar-se de razões com o embaixador norte-americano e a mostrar-lhe o quanto irascível era...

Na discussão, e já depois do Congresso norte-americano, com o presidente Ford a aceitar oferecer a Portugal «o grande empréstimo», assim adjectivado por se tratar de uma soma considerável de dinheiro que viajou para os cofres do PS, Sá Carneiro contestou o apoio a um Governo minoritário. Mas Carlucci não cedeu, apesar dos ímpetos do líder da direita.

Este é um dos temas que uma tertúlia servida com jantar vai revelar esta noite de quarta-feira no Porto, no Café Guarany. Promovida por Paulo Morais, ex-vice-presidente da câmara, na data do aniversário do nascimento de Sá Carneiro, amigos próximos juntam-se para recordar o antigo primeiro-ministro. Pronto para revelar factos históricos ainda não divulgados está o deputado do PSD e historiador José Freire Antunes que, em primeira mão, ao PortugalDiário, conta este momento quente da política portuguesa da década de 70 e ainda recuou no tempo para falar numa declaração que Sá Carneiro fez questão de assinar quando integrou a Assembleia Nacional, em 1969, marcando a distância com Marcello Caetano.

Nesse pedaço de papel, que firmava a «coragem» de Sá Carneiro, podia ler-se que o então deputado considerava-se «totalmente independente» da política marcellista. Uma prova de coragem num ambiente pouco democrático, diz Freire Antunes, realçando a faceta social-democrata do antigo primeiro-ministro.

Nem todos o olhavam assim e as visitas às prisões, enquanto deputado, e a defesa de um preso político do PCP, José Pedro Soares, valeu-lhe o epíteto de «sublíder subversivo». Numa época conturbada, de posições extremadas, Sá Carneiro esteve prestes de alcançar, em plena década de 70, a liderança de um partido de centro - entre a esquerda e o regime. Mas as más línguas consideravam-no demasiado avançado para o tempo e até «refém do PCP».

Esta noite, no Café Guariny, estas e outras histórias serão recordadas por Freire Antunes, que cedo publicou um livro sobre as cartas a Marcello Caetano, que ajudam a perceber os contornos já desbotados da história. Sá Carneiro escreveu missivas ao presidente do Conselho que explicam o percurso do antigo primeiro-ministro antes do 25 de Abril. Nomeadamente, escreveu a Caetano criticando a forma como o Bispo do Porto, exilado, não pôde visitar o país para estar presente no funeral da mãe, enquanto Mário Soares, também exilado em São Tomé, pôde voltar a Portugal.

Recordando estes e outros momentos de uma vida cheia de acontecimentos fracturantes, Paulo Morais e um conjunto de amigos, alguns que privaram com Sá Carneiro, querem festejar o nascimento, antes de assinalar uma morte trágica. Mais do que nascimento, este jantar privado festeja as ideias de um homem, que Freire Antunes irá rememorar numa primeira intervenção, sobretudo o período de luta contra a ditadura antes do 25 de Abril. «Era um homem de rupturas, que lutou antes de 1974, mas também não pactuou com o sistema perverso do período pós-Abril», diz Paulo Morais ao PortugalDiário que, com orgulho, olha para um homem «desprendido de lugares, que antes de morrer tinha dito que pretendia deixar o cargo de primeiro-ministro». Crítico do sistema, Morais considera que «não é por acaso que este regime festeja a morte de Sá Carneiro. Tenho a certeza que não pactuaria com este estado de coisas».
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